Coreia do Norte quer mandar longa mensagem ao testar arma de curto alcance
O teste feito por Kim Jong-un do que, segundo analistas, pode ser um novo míssil teleguiado ou de cruzeiro de curto alcance, mostra o líder norte-coreano voltando a mostrar as garras enquanto tenta pôr fim às sanções que atrapalham suas esperanças de revigorar a economia do Norte.
Envergonhado em seu país por não conseguir um acordo de paz com o presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, em sua recente reunião de cúpula no Vietnã, Kim se esforça para recuperar a vantagem sobre os Estados Unidos sem provocar o presidente, disseram analistas na quinta-feira (18).
Nesta semana Kim aumentou a pressão contra Trump, ao retomar suas visitas a unidades militares e locais de armamentos, que ele tinha abandonado durante seu envolvimento diplomático com o presidente americano.
Desde o encontro no Vietnã, Kim manifestou hesitação para lidar com Trump ou com o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, cujos esforços como mediador entre Kim e Trump falharam.
Em um raro discurso político na semana passada, Kim disse a sua população que não espere alívio das sanções tão cedo e que se prepare para uma luta prolongada contra os Estados Unidos.
Mas ele também disse que consideraria encontrar Trump novamente se Washington oferecer um novo acordo que ele possa aceitar até o final do ano.
Sua visita na terça-feira (16) a um aeroporto militar —onde viu pilotos da Força Aérea voando em jatos de caça russos MiG— colocou um holofote sobre uma Força Aérea que foi duramente afetada pelas sanções, com seus aviões estacionados por falta de combustível.
No que os analistas chamaram de exibição de desafio contra as sanções, a mídia norte-coreana divulgou fotos de jatos de guerra decolando enquanto Kim assistia.
Mas a presença do líder no teste de "um novo tipo de arma tática teleguiada", anunciada na quinta, foi o mais claro sinal para Washington de que as táticas do Norte estão endurecendo.
Autoridades americanas, sul-coreanas e japonesas não quiseram comentar o tipo de arma que a Coreia do Norte testou, dizendo que ainda estão analisando os dados disponíveis.
O projétil cobriu uma curta distância, voando tão baixo que não foi captado pelos radares militares americanos do Comando Norte, que habitualmente seguem os mísseis norte-coreanos, segundo a agência de notícias sul-coreana Yonhap, citando fontes da defesa não identificadas.
A arma foi provavelmente um míssil teleguiado de curto alcance, como o israelense Spike, que voa baixo e geralmente percorrer distâncias menores, segundo Shin Jong-woo, especialista em armas no Fórum de Defesa da Coreia, uma rede de analistas militares baseada em Seul.
"Faz parte dos esforços da Coreia do Norte melhorar seus sistemas de armas convencionais decrépitos, agora que completou um arsenal nuclear", disse ele.
Mas Kim Dong-yub, especialista militar no Instituto de Estudos do Extremo Oriente na Universidade Kyungnam, em Seul, disse que a nova arma aparentemente era um míssil de cruzeiro de curto alcance.
"É altamente provável que seja um míssil de cruzeiro de curto alcance capaz de ser transformado em um míssil terra-terra, ar-terra e navio-navio", disse Kim, notando que a Coreia do Norte disse que o teste foi "conduzido em vários modos de disparo contra diferentes alvos".
O último teste de armas da Coreia do Norte reforçou a sensibilidade envolvida no confronto ao amplo arsenal de mísseis norte-coreanos.
Enquanto Washington se preocupa com a tentativa do país de construir mísseis balísticos com ogivas nucleares, a Coreia do Sul e o Japão temem mais suas armas de curto e médio alcance. Estas também visam bases militares americanas na região, que servem como plataformas de lançamento para reforços americanos caso haja conflitos na península da Coreia.
Shin Won-sik, general de três estrelas aposentado da Coreia do Sul, disse que o Norte nunca parou de tentar aperfeiçoar a precisão de seus mísseis de curto alcance, apesar do envolvimento diplomático de Kim com Trump.
Durante uma entrevista em Seul na quinta-feira, uma autoridade de defesa sul-coreana evitou diversas perguntas de jornalistas que buscavam mais informações.
Autoridades japonesas foram igualmente relutantes em abordar os acontecimentos.
A Coreia do Norte conduziu seu último grande teste de armamentos em novembro de 2017, quando lançou um míssil balístico intercontinental. Mas desde então Kim declarou uma moratória dos testes nucleares e de mísseis balísticos.
Ao testar uma arma tática de curto alcance, a Coreia do Norte está jogando cautelosamente, segundo analistas. Kim pode aumentar a pressão sobre Washington com esse teste, mas ainda afirmar que não infringiu a moratória.
Karl Dewey, analista sênior da publicação Jane’s by IHS Markit, disse que "o realce à natureza tática da arma" pela Coreia do Norte visava "basicamente o público doméstico, mais que sinalizar uma mudança na abordagem estratégica da Coreia do Norte nas negociações com os Estados Unidos".
Mas outros analistas disseram que o teste foi um sinal mais poderoso destinado a Washington.
"É uma mensagem de Kim Jong-un de que ele não confia mais em Trump ou em Moon Jae-in, e que está pronto para seguir seu próprio caminho", disse Lee Byong-chul, outro especialista em Coreia do Norte do mesmo instituto.
"Ele está mostrando que não haverá recuo ou compromisso sob pressão americana. Este bem pode ser o primeiro passo de Kim para aumentar as tensões na península coreana."
O teste ocorreu em meio a reportagens de que Kim pretendia se encontrar com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, na cidade do extremo-oriente russo de Vladivostok na próxima semana.
Na quinta, o Kremlin confirmou em um breve comunicado que os dois se encontrarão neste mês, sem citar uma data específica.
A Coreia do Norte conta com a China e a Rússia, que têm poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, para servir de amortecedor contra as iniciativas dos Estados Unidos para impor mais sanções.
China e Rússia também hospedam dezenas de milhares de trabalhadores norte-coreanos, que são uma importante fonte de divisas muito necessárias ao regime de Kim.
Um relatório da Comissão de Sanções da ONU acusou entidades russas de envolvimento em transferências ilegais entre navios de petróleo e carvão para ajudar a Coreia do Norte a escapar das punições.
A Coreia do Norte depende da China para mais de 93% de seu comércio exterior. Mas, com Pequim amarrada pela guerra comercial com Washington, os norte-coreanos podem precisar mais que nunca da ajuda russa para amortecer as sanções, segundo analistas.
"Kim não quer colocar todos os seus ovos na cesta da China, já que há forte dependência do país para a sobrevivência econômica da Coreia do Norte", disse por email David Kim, analista de pesquisa no Centro Stimson, em Washington.
"Kim Jong-un quer mostrar aos Estados Unidos que a China não é sua única opção."
Em mais um sinal de desespero para tratar com os Estados Unidos, a Coreia do Norte disse na quinta-feira que enquanto as relações de Kim com Trump continuam boas, as negociações não poderão continuar a menos que Washington retire de sua equipe o secretário de Estado, Mike Pompeo.
Pyongyang culpou sua interferência pela interrupção do encontro no Vietnã.
"Mesmo que as negociações com os Estados Unidos recomecem, espero que possamos ter como interlocutor não Pompeo, mas alguma outra pessoa que seja melhor em comunicação e mais madura", disse Kwon Jong Gun, autoridade do Ministério das Relações Exteriores norte-coreano encarregado de assuntos dos Estados Unidos, à Agência Central de Notícias coreana.