Cortina de fumaça
Os desencontros entre o novo presidente e o velho Congresso funcionam como uma cortina de fumaça conveniente para Jair Bolsonaro. O impasse sobre a reforma da Previdência e a aprovação do reajuste para o Judiciário encobrem o fato de que, após meses de campanha e semanas depois da eleição, o futuro governo não apresentou os detalhes de seu plano para a economia.
A cada choque com o mundo político de Brasília, o presidente eleito ganha tempo para tapar os buracos de seu programa. Embora o ajuste das contas públicas seja considerado urgente, o gabinete de transição gasta mais tempo desmentindo a própria equipe do que expondo seus projetos prioritários.
Desde a vitória de Bolsonaro, sua equipe deu repetidas demonstrações de interesse em aprovar ainda este ano algumas mudanças no sistema de aposentadorias. O próximo governo pode ter ideias brilhantes para resolver o rombo da Previdência, mas não se empenhou por um único minuto em tirá-las do papel.
Os caciques da Câmara e do Senado não conhecem a reforma que o presidente eleito quer implantar —seja agora, seja a partir do ano que vem. Nem mesmo Bolsonaro tem certeza: na última semana, disse enxergar com “desconfiança” a proposta de seu time, que prevê um sistema de poupanças individuais para cada contribuinte.
O próximo governo também assistiu de longe à aprovação do aumento bilionário das remunerações do Judiciário. Antes da votação no Senado, o presidente eleito disse que não era o momento de aprovar a medida, mas não despachou nenhum articulador para impedir que a bomba fosse armada dentro do cofre que será repassado a seu governo.
Com a reforma da Previdência travada e a conta extra do salário dos juízes, Bolsonaro exercerá o direito de jogar a responsabilidade pela crise econômica sobre a antiga classe política. A partir de 1º de janeiro, a fumaça deve se dissipar. Empossado, o presidente será obrigado a mostrar suas cartas.