Cosmopolita, Kofi Annan foi garoto-propaganda da nova África
Das inúmeras vezes em que se anunciou a “Renascença Africana”, a mais festejada foi a da segunda metade dos anos 1990. Nela, Kofi Annan (1938-2018) foi personagem central.
O ganense era desconhecido ao assumir o maior posto da diplomacia mundial, primeiro representante da África negra a chegar ao cargo. Que sua ascensão tenha acontecido três anos após a eleição de Nelson Mandela na África do Sul não poderia ser obra do acaso. Algo de muito significativo estava ocorrendo no continente, ou ao menos era a percepção da época.
Annan era suave e aristocrático, distante das grotescas imagens de líderes africanos como Mobutu Sese Seko (1930-97) e seu chapéu de leopardo ou Jean Bedel-Bokassa (1921-96) e sua coroação como Imperador Centro-Africano.
Seu período como secretário-geral da ONU (1997-2007) coincidiu com um momento de otimismo na África, marcado pela redução das guerras civis e aumento das democracias, ainda que modesto. Sua Gana natal ainda é modelo de estabilidade no continente.
Essa figura de garoto-propaganda do novo homem africano era mais complexa, contudo. Annan trazia também em sua biografia a associação com o genocídio de Ruanda, em 1994.
Chefe do Departamento de Operações de Paz da ONU na época, foi acusado de negligenciar os sinais de que um massacre de 1 milhão de pessoas estava por vir. Mais tarde, Annan admitiu as falhas da entidade e a sua própria.
O genocídio permaneceu como uma sombra sobre seu período como secretário-geral, e iniciativas futuras foram vistas como tentativas de expiar parte dessa culpa. Quando Annan apresentou, em 2005, o conceito da “responsabilidade de proteger”, pelo qual a soberania dos Estados não pode ser usada como escudo para a perseguição a seus cidadãos, a relação com o trauma de Ruanda foi imediata.
Seu outro grande legado foram os Objetivos do Milênio, conjunto de medidas para reduzir a pobreza global. O fato de ser originário do continente mais pobre do planeta deu a ele autoridade moral para defender o projeto.
Não é por ter sido africano que Annan será lembrado como um dos maiores secretários-gerais da ONU. Mas seu trabalho talvez
A vida de Annan
Nasce em Kumasi (Gana), em 8 de abril de 1938
Após estudar economia, entra na Organização Mundial da Saúde, em 1962, e passa a atuar em agências da ONU, entre elas o Acnur (refugiados)
Torna-se mestre em administração no MIT, nos EUA, em 1972
Coordena a repatriação de membros da ONU e cidadãos ocidentais do Iraque após a invasão do Kuwait, em 1990
Como secretário-geral-adjunto para as operações de paz da ONU não evita o genocídio de Ruanda (1994) e a guerra na Bósnia (1995)
Assume, em 1º de janeiro de 1997, como secretário-geral da ONU. É reeleito para o segundo mandato, iniciado em 2002
Publica as bases dos Objetivos do Milênio em 2000
Recebe, em 2001, o prêmio Nobel da Paz, ao lado da ONU
Suspeito de tráfico de influência no programa Petróleo por Comida, no Iraque, é investigado e inocentado em 2005
Fora da ONU, cria a Fundação Kofi Annan em 2007