Criador de 'Borat' volta a mostrar o ridículo americano em 'Who Is America?'
Durante a primeira metade dos anos 2000, o comediante Sacha Baron Cohen percorreu os Estados Unidos como Borat, o repórter racista e misógino do Cazaquistão. A ideia era trazer à tona os aspectos mais ridículos e problemáticos de uma nação governada, então, por George W. Bush (2001-2009).
O britânico mantém as mesmas intenções ao voltar à TV americana com a controversa série “Who Is America?”, que estreou neste domingo (15), no canal Showtime, depois de meses mantida em segredo. Ao personificar quatro personagens diferentes para entrevistar pessoas reais, ele escava o lado constrangedor de certos grupos políticos ou sociais.
A diferença é que os Estados Unidos de 2018, sob a tutela do governo de Donald Trump, não se preocupam mais em esconder suas idiossincrasias, liberais e, acima de tudo, conservadoras. Talvez por isso Baron Cohen não obtenha o sucesso criativo que teve há 12 anos: todos os dias, as redes sociais e veículos de comunicação expõem atitudes que eram acobertadas por serem ridículas demais ou simplesmente inumanas.
“Who Is America?” sofre nos primeiros personagens. Dr. Billy Wayne Ruddick Jr. é um comunicador de direita do site de “fake news” Truthbrary.org —uma sátira ao site de notícias de extrema-direita Breitbart—News que entrevista o senador democrata Bernie Sanders com perguntas estapafúrdias. O resultado chega a ser inocente, com pouca graça saindo de constatações como “Por que não movemos os 99% para o grupo do 1% da elite rica? Então teríamos 100% de ricos.”
O comediante pula para o grotesco nos personagens seguintes, o ultraliberal Dr. Nira Cain-N’Degeocello, que apresenta seu estilo de vida esquisito para um casal de republicanos da Carolina do Norte, e Rick Sherman, um ex-presidiário que deseja ser artista. No primeiro, Baron Cohen não sabe se faz rir de alguém tão politizado ao ponto de deixar a filha menstruar na bandeira americana ou do casal que ele tenta desvendar —que termina saindo por cima no fim do quadro.
No segundo quadro, o pintor que saiu da cadeia apresenta obras de arte com fezes e sêmen para uma galerista na Califórnia e termina com a moça cedendo os próprios pelos pubianos para não deixar de incentivar aquele artista inusitado. Sim, acerta ao mostrar que liberais extremistas também são ridículos. Mas o recurso do choque escatológico, usado de maneira equilibrada nas personificações de Borat ou do rapper Ali G, fica desproporcional e deslocado em “Who Is America?”, parecendo mais uma cena do seu último longa, “Irmão de Espião” (2016).
Mas o primeiro episódio finalmente chega ao brilhantismo esperado na segunda metade da sua meia hora. É quando Baron Cohen assume o papel do coronel israelense Erran Morad, que viaja aos EUA para conseguir adeptos para sua campanha de armamento: “A NRA [Associação Nacional do Rifle] quer armar os professores nas escolas. Isso é insano! Precisamos armar os alunos”. Morad encontra lobistas a favor da indústria do armamento e até faz um deles atuar em um vídeo para venda de armas com temas infantis, tratando o pente de uma pistola como a “barriguinha” de um brinquedo de pelúcia.
Posando de defensor de ideias que seriam insanas para a maioria dos seres humanos, Sacha Baron Cohen atinge o tom certo do programa. Seu humor de bufão só perde para o dos entrevistados, o que é um feito e tanto. E choca ainda mais perto do fim, quando “Who Is America?” traz uma série de políticos americanos em vídeos apoiando a legalização de armas para crianças de três anos, algo como “Os Guardiões do Jardim de Infância”. Joe Wilson, representante da Carolina do Sul no Congresso, até discursa: “Nossos pais fundadores não colocaram um limite de idade na Segunda Emenda [que estabelece o porte de armas]”.
Obviamente, todos os envolvidos correram para se antecipar ao programa. Uns alegam terem sido enganados por Baron Cohen. Outros dizem só terem lido o teleprompter. A ex-candidata a vice-presidente dos EUA Sarah Palin ainda nem apareceu no programa e já se pronunciou: “Satisfeito agora, Sacha?”, questionou Palin em um longo post no Facebook.
A questão não é se o ator britânico está satisfeito ou não. A dúvida é se essas revelações ainda causam algum dano à imagem de um político americano em um país tão dividido e engajado na crença na verdade dita apenas pelo seu lado da turba. Talvez “Who Is America?” tenha chegado um pouco tarde demais, mas pelo menos faz rir um pouco da nossa desgraça.