Crime completa 1 ano na quinta | Suspeito pesquisou Marielle e era obcecado pela esquerda
A Polícia Civil do Rio de Janeiro afirmou que o policial militar reformado Ronnie Lessa, suspeito de ser o autor dos disparos que mataram Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes, fez pesquisas sobre personalidades de esquerda, entre elas, a vereadora carioca. Os investigadores identificaram, a partir de uma análise telemática, que Lessa tinha "obsessão" por militantes de esquerda.
"O perfil dele revela uma obsessão para determinadas personalidades que militam à esquerda política. Uma obsessão por essas personalidades que nessa análise você percebe ódio, você percebe desejo de morte. Não é ódio político. Você percebe alguém capaz de resolver uma diferença da forma como foi o caso Marielle", afirmou o delegado Giniton Lages, da Delegacia de Homicídios.
O delegado disse ainda que outras autoridades públicas foram pesquisadas, como o general-de-divisão Richard Nunes, então secretário de Segurança Pública, e delegados de polícia. "Mas essas eram pesquisas minoritárias, mas pesquisas maiores eram personalidades ligadas à esquerda", disse o delegado.
Segundo Giniton, Lessa e o ex-policial militar Élcio Queiroz, suspeito de ser o motorista do carro de onde partiram os disparos, foram indiciados por homicídio consumado contra Marielle e Anderson e por homicídio tentado contra Fernanda Chaves, assessora da parlamentar que sobreviveu ao crime. Entre as qualificadoras, estão impossibilidade de defesa da vítima, emboscada e motivo torpe.
Eles foram denunciados pelo Ministério Público pelos crimes. Os advogados dos dois presos negaram que ambos tiveram participação no crime (veja abaixo).
O delegado, que está à frente das investigações, disse que a motivação dos assassinatos ainda não foi elucidada e deverá ser analisada numa segunda etapa das investigações. Ele disse que essa etapa seguinte já está em andamento e boa parte dos 34 mandados de busca e apreensão cumpridos hoje estão relacionados a isso.
Giniton disse, no entanto, considerar o crime como "torpe". "E o crime de ódio, segundo doutrina, encaixa no motivo torpe", disse o delegado.
Segundo o Ministério Público, a motivação torpe estaria relacionada à atuação política e às causas que Marielle abraçava, mas não exclui a possibilidade de que haja um mandante do crime, que tenha encomendado o assassinato em troca de dinheiro.
Outra hipótese não descartada é que a iniciativa do crime tenha partido do próprio atirador.
O assassinato aconteceu na noite de 14 de março do ano passado no bairro do Estácio, região central do Rio. Ao menos 14 disparos atingiram o veículo onde estavam Marielle e Anderson --a vereadora foi baleada com quatro tiros na cabeça e Anderson, com três nas costas. Uma assessora da vereadora que estava no carro sobreviveu, mas não conseguiu identificar ninguém.
Um crime sem erros
O delegado Giniton afirmou que os criminosos não cometeram erros ao executar o crime. Tomaram o cuidado de não descer do carro em nenhum momento --durante ao menos duas horas-- para não serem vistos por testemunhas ou terem as imagens registradas por câmeras de segurança. Eles também usaram máscaras do tipo balaclava (touca ninja) no momento da emboscada.
Por causa disso, não há uma prova definitiva que, por si só, possa incriminá-los. De acordo com Lages, hoje no Brasil cerca de 80% dos crimes solucionados de homicídios se baseiam em relatos de testemunhas --o que não aconteceu no caso de Marielle.
Por isso, além de traçar o perfil dos suspeitos, a polícia procurou levantar evidências sobre a preparação para o crime e também os movimentos da dupla após o assassinato.
Uma boa parte da investigação se focou em pesquisas que o suspeito de ser atirador, Ronnie Lessa, fez na internet durante a fase de preparação do crime e no trajeto que o carro usado fez no dia do assassinato. Os policiais esperam que o conjunto das evidências seja capaz de basear condenações dos suspeitos.
Conheça abaixo algumas dessas evidências:
Trajeto do carro
Giniton disse que tanto Lessa como uma série de suspeitos com o mesmo perfil dele estavam no rol de investigados. Mas uma informação chave --que o delegado não revelou a origem-- começou a direcionar os esforços da polícia para ele.
Os policiais receberam muitas denúncias, muitas delas falsas, mas uma delas dizia que Lessa estava em um carro que havia partido de um restaurante na Barra da Tijuca, na zona oeste carioca, chamado Tamboril, antes de cometer o crime.
Essa informação bateu com um levantamento da polícia que partiu da identificação da placa do carro usado no crime, um Cobalt branco de placa clonada.
Após pesquisar câmeras de segurança e 126 radares inteligentes (que identificam placas de carros), a polícia conseguiu ir identificando onde o carro esteve nas horas anteriores ao crime e descobriu que ele havia partido da Barra da Tijuca, de uma área próxima ao restaurante.
A polícia juntou ao inquérito imagens do carro dos suspeitos em diversas partes do trajeto até a cena do crime. O Cobalt foi registrado em imagens pela primeira vez na Barra da Tijuca às 17h24. É então flagrado em diversos bairros do Rio até chegar às 18h45 na rua dos Inválidos, onde esperou a chegada de Marielle para uma reunião política.
A última imagem antes do crime é de 21h09, segundos antes do assassinato, ocorrido no bairro do Estácio, região central do Rio, quando Marielle retornava para casa, na Tijuca (zona norte).
Uso de silenciador
Segundo Giniton, a arma usada no crime foi uma submetralhadora MP5, de calibre 9 mm. O delegado disse que há evidências de que Lessa pesquisou na internet que tipo de silenciador deveria utilizar nesse tipo de arma.
Silenciadores são acessórios de armamentos usados para abafar os disparos e dificultar a identificação de sua origem. Seu uso é totalmente proibido no Brasil.
A evidência se soma ao relato de uma testemunha que ouviu disparos "abafados" no momento do crime --o que apontaria para o uso do equipamento.
Bloqueador de sinal de celular
A polícia disse que os criminosos podem ter usado um aparelho do tipo jammer, capaz de bloquear o sinal de telefones celulares. O item teria sido pesquisado na internet pelo atirador.
Em tese, o aparelho serviria para evitar que vítimas ou testemunhas do crime pudessem usar seus telefones para pedir socorro à polícia. Ele tem uma abrangência limitada, mas poderia ter sido usado ou cogitado pelos criminosos para realizar o crime.
Polícia investigou todos os Cobalt do Rio
Após descobrir que o carro usado no crime foi um Chevrolet Cobalt, a polícia disse ter entrado em contato com a montadora e levantado o dado de que, na data do crime, haveria 12.745 carros do mesmo tipo e cor em circulação no país. A pesquisa foi afunilada para 443 proprietários do Rio.
A polícia disse que não conseguiu ainda descobrir quem clonou a placa do carro, mas que chegou ao proprietário do veículo clonado e descobriu, por dados de GPS, que ele havia ficado estacionado no dia do crime.
Telefones celulares e internet
A polícia disse ter investigado mais de 33 mil números de telefone celular que poderiam ter sido usados no crime e grampeou 318 com autorização judicial. Mas, segundo o delegado, as interceptações telefônicas não foram suficientes para elucidar o caso. A polícia descobriu que o atirador parou de usar o celular horas antes do crime.
A polícia também investigou 670 contas de usuários de internet e analisou 533 gigabytes de dados de navegação. Dessa forma, conseguiram descobrir que Lessa pesquisou diversos assuntos relacionados ao crime.
Quem estava dentro do carro?
Segundo o delegado, uma análise inicial de imagens coletadas --câmeras de rua e circuito interno-- mostrava que havia um motorista, um carona e alguém no banco de trás. Uma segunda análise falava apenas de um motorista e de um atirador no banco de trás. "Se o terceiro estava no banco do carona ou não, ficará para segunda fase da investigação", afirmou Giniton.
Já o Ministério Público disse ter evidências de que não havia uma terceira pessoa no automóvel. Segundo o órgão, num primeiro momento foi feito um estudo biométrico, com tipo físico e perfil dos suspeitos. "Conseguimos verificar através da análise de luz e sombra que não havia ninguém no banco da frente, onde há sombra e um vácuo de imagem", disse Elisa Fraga, coordenadora do setor de segurança e inteligência do Ministério Público do Rio.
Pós-crime
O delegado Giniton afirmou que a polícia obteve evidências do que os dois suspeitos fizeram após o crime. Haveria imagens em vídeo de Lessa chegando em casa em horário compatível com sua suposta participação no crime. Os dois começaram a ser monitorados em outubro de 2018 para evitar a possibilidade de fuga.
O que diz a defesa dos suspeitos
A defesa de Queiroz explicou que o ex-PM Queiroz sequer estava no local do crime no dia. "Tenho certeza de que não há foto dele no carro, nem muito menos gravação dele neste dia. Tenho certeza que a vítima que sobreviveu não vai reconhecer o meu cliente", explicou o advogado Luiz Carlos Azenha.
Ele classificou de "trapalhada" a medida do Ministério Público e da Polícia Civil. "Trata-se mais uma vez de outra trapalhada da Polícia Judiciária com todo respeito à gloriosa Polícia Civil, mas nós já vimos que esse procedimento criminal, persecução penal, vem de outras trapalhadas", disse.
O advogado Fernando Santana, responsável pela defesa de Lessa, também destacou a inocência do seu cliente. "Tive contato com ele muito rápido, mas ele nega que tenha cometido qualquer tipo de assassinato. Vou ter acesso ao inquérito, pois até agora não tive --primeiro está em segredo de Justiça, mas agora já peticionamos para poder termos ideia de como chegaram na prisão do RonnieLessa", afirmou.