Criptografia de apps deve complicar combate a fake news, diz diretor da BBC
O anúncio de Mark Zuckerberg, presidente do Facebook, de que vai priorizar mensagens e criptografia, por plataformas próprias como WhatsApp e Messenger, deve complicar o combate à disseminação de notícias falsas.
O alerta é de Jamie Angus, diretor do BBC World Service Group, que abrange unidades como BBC News Brasil e o portal BBC.com.
Ele estará em São Paulo na próxima semana para o seminário Beyond Fake News (além das notícias falsas), projeto global da rede britânica.
“Esses aplicativos [de mensagem] nunca foram projetados para publicar notícias”, diz.
“As pessoas produzem notícias falsas que podem ir para milhões de usuários sem que ninguém do mundo externo, digamos, fique ciente.”
As inscrições para o seminário estão esgotadas, mas ele será transmitido pelo canal de YouTube da BBC News Brasil a partir das 8h de terça (12).
A eleição brasileira abriu um novo campo para fake news, via WhatsApp, que também é do Facebook. A decisão de Zuckerberg de priorizar plataformas de mensagem dificulta o combate às notícias falsas?
Sim. É um desenvolvimento importante. Tenho falado há alguns meses sobre a ascensão dos aplicativos de conversa criptografada como parte do campo de fake news.
Esses aplicativos nunca foram projetados para publicar notícias, mas as pessoas são espertas e geram sua própria maneira de fazer as coisas. E eles estão se tornando um canal incrivelmente importante para o público e para os provedores de notícias, tanto de baixa como de alta qualidade.
O fato de as conversas serem privadas, de modo que você não sabe o que está acontecendo a menos que esteja diante de seus olhos, representa um grande problema para os veículos jornalísticos.
Pode ser difícil para a BBC, por exemplo, no sentido de que as pessoas produzem reportagens falsas da BBC e as compartilham em aplicativos criptografados e nós não vemos até que seja tarde demais.
E como os usuários podem compartilhá-las de maneira viral, elas podem alcançar milhões de usuários sem que ninguém do mundo externo, digamos, fique ciente.
Por essas razões, o movimento cada vez maior na direção da criptografia e da privacidade, não é que não seja bem-vindo, mas ele coloca desafios para nós.
Em abril, a Índia terá sua eleição geral. Você espera algo semelhante ou até pior do que aconteceu no Brasil? Como pretende combater?
Sim. Temos um projeto específico com o WhatsApp na Índia, que é abrir uma espécie de endereço da BBC no aplicativo, onde as pessoas poderão denunciar notícias falsas. Poderão relatar o que desconfiam e pedir para verificarmos.
Mas há um caminho muito mais longo a percorrer. A BBC vai fazer bastante coisa em torno das eleições indianas, como uma checagem diária com nossa ferramenta Reality Check.
Esperamos um aumento grande na onda de notícias falsas. Vimos isso nas eleições na Nigéria recentemente.
A BBC divulgou em novembro um estudo sobre notícias falsas na Índia, na Nigéria e no Quênia. Quais são as suas impressões? Haverá um sobre o Brasil?
Planejamos uma segunda fase da pesquisa para este ano, e eu gostaria muito de fazer no Brasil.
O levantamento original, da Índia e da África, mostrou quadro semelhante ao que vemos onde quer que seja, no mundo. As pessoas superestimam sua capacidade de detectar notícias falsas.
Entender as razões pelas quais as pessoas compartilham fake news é uma das coisas mais importantes que podemos fazer.
Vemos muitos públicos, especialmente mais jovens, compartilhando conteúdo que já suspeitam ser falso. Mas eles o compartilham, porque, por exemplo, acham que o grupo de amigos vai dizer se aquilo está certo ou não.
Uma das coisas que me espantaram, lendo o estudo, foi que muitas pessoas compartilham notícias achando que têm boas razões para fazê-lo. Acham que é útil.
Ou seja, a questão não é tão simples como apontar indivíduos ou atores políticos e estatais mal-intencionados gerando notícias falsas. É uma questão muito mais complexa.
Como vê os dois primeiros meses do governo brasileiro? Teme pela liberdade e pela democracia no país?
Em primeiro lugar, estamos vendo muito interesse do público pelo Brasil no conteúdo em inglês, então tratamos a eleição do presidente Bolsonaro como um evento global.
Foi assim com a eleição de Trump e com outros resultados que você poderia chamar de antiestablishment em todo o mundo, de líderes mais populistas.
O Brasil é uma democracia grande e robusta, certo? Como todas as democracias, ela tem suas falhas. Mas a transição para a democracia no Brasil tem sido uma das grandes histórias de sucesso da América Latina.
Acho que o público internacional entende isso, e isso é parte da razão pela qual a eleição de Bolsonaro despertou muito interesse.
A exemplo de outros líderes populistas, ele gosta de usar a mídia para fazer barulho. De usar a mídia para transmitir suas mensagens políticas.
Ele tem algumas coisas em comum com o presidente Trump nisso.
Felizmente para mim, cabe ao Brasil e aos brasileiros decidir quem vence a eleição.E vocês têm a sua própria mídia nacional, incrivelmente forte e vibrante. Então, a BBC será sempre uma espécie de fonte complementar de notícias no Brasil.
Uma segunda fonte de contexto e conteúdo, principalmente em notícias internacionais, mas também fazendo uma cobertura nacional.
Há três anos, o BBC World Service recebeu um aumento de verba do governo britânico, de 85 milhões de libras por ano. O diretor-geral da BBC destacou então que ele “é uma das melhores fontes de influência global do Reino Unido”. Qual é o propósito do World Service, “soft power” ou jornalismo?
Com certeza absoluta, o segundo. Temos muito claro que a BBC desfruta de altos níveis de confiança de seu público pelo que somos: uma organização de notícias independente.
E a razão de sermos independentes e pela qual as pessoas confiam na nossa independência é que o World Service é pago por todos os britânicos. Toda pessoa que tem uma licença de TV no Reino Unido contribui.
Embora seja verdade que o governo tenha investido um pouco mais no BBC World Service, isso não vem com um comprometimento da nossa independência editorial.
Somos robusta e comprovadamente independentes, editorialmente, do governo britânico.
Nós não somos uma emissora estatal, somos uma emissora pública.