'Deadline' apresenta visão desencantada e cômica do empoderamento feminino

Em meio à grande diversidade de textos para o teatro que buscam denunciar a desigualdade dos gêneros e afirmar a resiliência da mulher frente à opressão social, a dramaturga Priscila Gontijo assume um corajoso risco ao apresentar uma visão simultaneamente desencantada e cômica do empoderamento feminino.

Na comédia "Deadline", duas mulheres se conhecem num exame ginecológico e, expostas e vulneráveis, dividem angústias e confidências. Guta (Maria Fanchin) é uma atriz que sonha viver um grande papel, e Nicky, uma roteirista sufocada por prazos de entrega.

Às vésperas dos 40, sem marido ou filhos, vivendo o limiar da morte social, elas nutrem a esperança de protagonizar ou escrever uma grande narrativa —em suma, personagens em busca de uma história que valha a pena ser vivida.

Entre a assinatura de contratos e o pagamento de boletos, as mulheres interagem com o ex-namorado e o gerente de banco, entre outros tipos interpretados por Eduardo Guimarães. O ator parece ofuscado, talvez pela composição propositadamente genérica sugerida pela dramaturgia, talvez devido às interpretações histriônicas das atrizes.

Para suavizar temas sombrios, como solidão, rejeição, medo da velhice e da morte, bem como conquistar a identificação e a cumplicidade da plateia por meio do riso, a montagem lança mão de uma linguagem cartunesca.

Um exemplo é a utilização do plástico, presente no figurino e na cenografia, que sugere o absurdo e a artificialidade das construções sociais a que estão submetidas as personagens. Instável, o material ora sugere maleabilidade, ora resistência, polos pelos quais essas tristes mulheres precisam alternar em nome da própria sobrevivência.

A despeito da criatividade cênica, as atuações são pouco exploradas pela direção de Fernanda D'Umbra. O registro exagerado das atrizes funciona na maior parte da encenação, por valorizar a comicidade absurda do texto, mas parece deslocado em cenas que solicitam um tratamento mais grave ou denso.

Além de tornar bidimensionais as personagens, como espera-se de uma estética de cartum, o constante tom espalhafatoso reduz as nuances das interpretações e, sobretudo, diminui o impacto dramático do texto.

O resultado é uma montagem leve e divertida que, por vezes, revela a ambição de imprimir uma visão autoral e original a temas já explorados à exaustão. Por não se limitar a um universo dito feminino, a empreitada é, em grande parte, bem-sucedida.

Ainda que apresente um recorte bastante específico —o drama urbano e contemporâneo da mulher de classe média—, "Deadline" aborda questões comuns a ambos os gêneros, como o anseio por conexões reais, o enfrentamento da solidão e a passagem do tempo e, assim, dialoga com o público e o faz rir.

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