Deixar o bebê sozinho?
Incontáveis mães me perguntam se fazem mal ao bebê ao deixá-lo sozinho. E já imagino o incapaz abandonado em casa, explodindo de tanto chorar, chegando ao colapso e morrendo de inanição! Mas nunca se trata disso, é claro. Sozinho aqui é com o pai, a sogra, a babá, os avós, os tios. Esse pelotão não faz uma mãe, segundo a concepção incutida desde o século 17 no imaginário ocidental.
Se o bebê ainda por cima for amamentado, separar-se dele por um tempo prolongado envolve uma considerável logística. Ele terá que ser alimentado com o leite da mãe pacientemente extraído e congelado —atividade hercúlea que te faz sentir entre supermulher e escrava ama de leite— ou alimentado por fórmulas, com as quais já deverá estar acostumado. A mulher terá que lidar com a produção de leite sem consumidor, o que pode significar um desconforto inacreditável.
Nesse sentido o aleitamento compulsório implica em mais uma forma de opressão sobre as mulheres. E, por favor, não me venha com o argumento de que amamentar é maravilhoso, sagrado, missão na Terra e, a pior e inaceitável argumentação, direito biológico do bebê!
Para que não pairem suspeitas, compartilho que amei amamentar minhas filhas, mas sou entusiasta da amamentação prazerosa, consentida e emancipatória. Ou seja, aquela na qual ambos, mãe e bebê, estão confortáveis, que não avilta a mulher ignorando seu desejo e que vai na direção da separação de corpos. Falarei mais sobre isso em outra ocasião.
É importante reconhecer que o bebê é ávido pelo cheiro, voz, toque das pessoas que convivem com ele e, dentre elas, a mãe, com quem compartilhou o corpo e que costuma ser onipresente por força do nascimento e aleitamento.
Dito isso, talvez você acredite que uma mãe não pode deixar seu bebê “sozinho”, óbvio. Longe disso. Lembremos do psicanalista e pediatra Donald Winnicott, que dizia que o bebê tem como referência o ambiente, não necessariamente a mãe.
Uma forma que encontro para tentar ilustrar isso é uma metáfora psicodélica. Imagine —ou lembre— uma experiência com drogas alucinógenas: um mundo de sensações caóticas, no qual olfato, visão, audição, paladar e toque parecem difusos, distorcidos, exagerados.
O bebê viveria algo como essa profusão de cheiros, vozes, toques, visões, dores e alívios promovidos por mãe, pai, avós, babá, irmãos. Entre eles, a mãe seria a fonte mais recorrente. Ao sair de perto, a mulher leva com ela parte importante desse ambiente. Como se tirássemos a cama de um quarto.
Há um fator cultural aí. Se a mulher não fosse a “cama do quarto”, ou seja, uma peça colocada tão central e insubstituível, se ela realmente dividisse a tarefa extenuante de cuidar dos filhos em paridade com os demais sujeitos sociais, a coisa seria diferente.
A forma como criamos filhos é sempre uma convenção e se as mulheres quiserem de fato assumir uma vida socialmente equânime, sua participação nos cuidados do bebê diminuirá, simplesmente porque uma pessoa não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. A outra opção é o adoecimento na tentativa de dar conta do impossível.
Importante lembrar que o psiquismo humano é tecido nas versões de acontecimentos, portanto, faz toda a diferença se dizemos “sua mãe te abandonava” ou “você tinha muita gente que gostava de cuidar de você”.
Eliminando o conveniente mito de que “mãe é tudo”, talvez as mulheres possam estar com os filhos sem tanto ressentimento e culpa, e possam se separar deles da mesma forma.
Hoje as mulheres são cobradas porque ficam com seus bebês, mas também porque não ficam. Perdido por um, perdido por mil, melhor bancar o próprio desejo então!