Desastres naturais no Brasil: é preciso mudar o paradigma

O Brasil pareceu ser um país livre de desastres por muitos anos. De fato, a atividade tectônica é quase inexistente e não se observam temperaturas extremas, reduzindo a percepção acerca da nossa exposição aos perigos naturais.

Porém, o Brasil enfrenta com frequência eventos hidrometeorológicos que, combinados com padrões insustentáveis de urbanização e pouco controle do planejamento urbano, geram significativos impactos humanos e econômicos.

Vítima dessa potencial combinação, a cidade do Rio de Janeiro vivenciou nos últimos meses situações de calamidade que ilustram bem a necessidade de investirmos em cidades mais resilientes e que protejam as comunidades.

Assim como a Cidade Maravilhosa, milhares de municípios brasileiros sofrem com constantes eventos de desastres indicando uma agenda de prioridade nacional. Estudos do Banco Mundial apontam para números significativos no tocante aos impactos humanos e econômicos dos desastres no Brasil.

Utilizando-se dados do Sistema Integrado de Informação de Desastres (S2ID), da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, identificou-se mais de 30 mil registros de desastres entre 1991 e 2017 com aproximadamente 3.498 óbitos, cerca de 7 milhões de desabrigados/desalojados e 217 milhões de pessoas afetadas.

Com relação aos impactos econômicos, estimou-se perdas médias mensais de R$ 800 milhões entre 1995 e 2014. Levando-se em conta o período citado, cerca de R$ 183 bilhões foram perdidos fundamentalmente em atividades de resposta e/ou recuperação. Os dados são ainda mais preocupantes quando se observa que, até recentemente, o S2ID era utilizado em sua maioria apenas por municípios e estados em busca de aporte financeiro federal para processos de resposta e recuperação. Logo, a cifra citada ainda não representa o impacto completo da ocorrência de desastres no País.

De forma pontual, os desastres implicam em maiores desafios para as administrações municipais que observam sua pouca capacidade de investimento sob risco.

Por exemplo, em 2010, nas mesorregiões do leste e do agreste de Alagoas, inundações bruscas provocaram perdas e danos estimados em R$ 1,89 bilhão, dos quais o setor de habitação contabilizou perdas e danos privados de R$ 945 mi­lhões e o comércio, de R$ 125 milhões.

Já em Pernambuco, em decorrência do mesmo fenômeno, inundações na Zona da Mata, no agreste pernambucano e na região metropolitana do Recife afe­taram 67 municípios e provoca­ram perdas estimadas em R$ 3,4 bilhões, com mais de 16 mil casas destruídas.

Isso equivale a três vezes o investimento em infraestrutura e a 43 vezes os investimentos públicos no setor de habitação do estado de Pernambuco em 2010.

Os dados anteriores demonstram o quão expostos os estados e municípios brasileiros estão aos perigos naturais e, consequentemente, a eventos de desastres. Além disso, o processo de urbanização brasileiro aponta para a continuidade do surgimento de ocupações urbanas em áreas suscetíveis a inundações.

Segundo dados do Programa da Organização das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), espera-se que a população urbana do Brasil ultrapasse 90% no ano de 2030 e que grande parcela dos “novos urbanos” estarão em assentamentos precários e informais ocupados, principalmente, por moradias de populações vulneráveis e de baixa renda.

Assim, é necessária uma mudança de paradigma: o gestor público deve ter capacidade de não somente evitar a continuidade desse círculo vicioso de criação de riscos, mas também de gerir um enorme passivo de décadas de planejamento deficiente.

Essa mudança pode ser guiada pelos programas e ações definidos no Marco de Sendai, de 2015, para a redução de mortes e impactos econômicos causados por desastres naturais até 2030, do qual o Brasil é signatário.

Inúmeras instituições vêm trabalhando para possibilitar uma melhor capacidade de identificação e mitigação de riscos.

Desde 2011, programas de assistência técnica e financiamento do Banco Mundial vêm sendo desenvolvidos para apoiar o governo brasileiro, e resultaram em estudos pioneiros como o Modelo de Previsão de Perdas de Santa Catarina e o Atlas de Perdas e Danos, de 1995 a 2014.

De forma pragmática, dois conjuntos de ações estratégicas podem contribuir para a tão necessária mudança de paradigma no Brasil:

1) Intervenções não estruturantes

Tais como: programas de sensibilização aos riscos de desastres, treinamento de evacuação e aumento da capacidade de resposta de comunidades e instituições públicas.

No estado do Paraná, por exemplo, foram financiados com recursos do Banco Mundial equipamentos para monitoramento climático para SIMEPAR e mapeamento de riscos para a MINEROPAR.

Em São Paulo, contribuições tangíveis aos marcos do Plano Estadual de Desastres Naturais estão sendo realizadas com financiamento junto ao Instituto de Geologia do Estado.

2) Intervenções estruturantes

Tais como: construção e manutenção de obras civis e infraestrutura básica, além de redes de monitoramento hidrometeorológico.

Os estados da Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Sul já atuam na Gestão de Riscos de Desastres, por meio de equipamentos de monitoramento climático (por exemplo, pluviômetros, radares, etc.), atividades de levantamento de dados (aerofotagrametria, InSAR), desenvolvimento de sistemas de tecnologia de informação de gestão, identificação de riscos com mapeamentos de ameaças naturais e exposição física e humana, dentre outros.

Mesmo frente aos grandes desafios da rápida urbanização brasileira e às mudanças climáticas que podem fazer com que as chuvas recorde (como as do Rio de Janeiro nos últimos meses) possam se tornar comuns, ainda é possível planejar e investir melhor para tornar as cidades do Brasil mais resilientes.

Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial: Frederico Pedroso, especialista em Gestão de Riscos de Desastres, Pauline Cazaubon, consultora em Gestão de Riscos de Desastres e Joaquin Toro, especialista sênior em Gestão de Riscos de Desastres.

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