Economista decifra tensão entre mercado, estado e comunidade
SINGAPURA - A Amazon atraiu manchetes em fevereiro ao abandonar planos para construir uma nova sede em Nova York. O governador Andrew Cuomo apoiara a ideia, mas organizações comunitárias, mobilizadas pela deputada e estrela da ala esquerda da política americana Alexandria Ocasio-Cortez, se rebelaram.
A chegada da Amazon abocanharia subsídios tributários e elevaria preços para os moradores locais, argumentaram as organizações. Por fim, a gigante da tecnologia decidiu abandonar o projeto.
Em "The Third Pillar", Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional), descreve a luta para encontrar o equilíbrio entre os três blocos de uma boa sociedade: mercado, Estado e comunidade.
A última peça do trio, o "terceiro pilar" que dá título ao seu novo trabalho, muitas vezes termina desconsiderada, afirma, especialmente quando mudanças na tecnologia causam alterações nos arranjos econômicos anteriores.
"Se as pessoas perderem a fé em sua capacidade de competir no mercado, se suas comunidades continuarem a declinar, se elas sentirem que a elite se apropriou de todas as oportunidades em benefício próprio [...], o ressentimento popular pode se transformar em raiva", escreve o autor.
A perspectiva adotada por Rajan é fortemente pró-mercado, como seria de esperar, dada sua posição acadêmica na Universidade de Chicago, o lar espiritual da ortodoxia econômica do livre mercado.
Mas ele também adquiriu reputação como alguém que se dispõe a revelar verdades econômicas desagradáveis, especialmente em uma palestra de 2005 na qual previu diversos elementos da crise financeira que aconteceria alguns anos mais tarde.
Recentemente, ele retornou ao seu país de origem, a Índia, para se tornar presidente do banco central, mas entrou em choque com partidários ultranacionalistas e deixou o posto em 2016.
Os primeiros capítulos discutem como governo e comércio em muitos casos crescem em reação um ao outro, como quando os monarcas da antiguidade conquistavam territórios por meio de guerras e com isso criavam mercados nacionais mais integrados.
Essas potências comerciais muitas vezes reagiam em oposição ao Estado, como na Revolução Gloriosa de 1688, na Inglaterra, quando mercadores urbanos e pequenos aristocratas rurais se combinaram para depor o rei James 2º.
Os laços comunitários também podem ser mais eficientes que os mercados ou governos agindo sozinhos, como quando pequenos bancos locais se provam mais dispostos a fazer empréstimos aos empreendedores do que as grandes instituições financeiras.
Mas as comunidades também podem retirar seu apoio aos mercados diante de adversidades econômicas ou mudanças tecnológicas rápidas, como aconteceu na recente onda de reacionarismo populista dos Estados Unidos.
Nesse caso, a desigualdade cresceu enquanto as velhas comunidades mistas, nas quais ricos e pobres viviam perto uns dos outros, entraram em declínio. A classe média alta dos EUA monopoliza o acesso às melhores escolas e se segrega nos melhores bairros.
O autor propõe alterar as regras de forma a descentralizar o poder e ajudar as comunidades mistas --por exemplo ao conceder benefícios tributários a pais de renda alta que enviem seus filhos a escolas localizadas em bairros pobres.
Regras antitruste mais duras, para o autor, deveriam restringir a compra de rivais menores por grandes empresas, especialmente se o objetivo for prevenir concorrência futura --tática empregada por grandes empresas de tecnologia como o Google.
A ideia mais interessante que ele propõe é que autoridades antitruste deveriam impedir que uma empresa desenvolva domínio excessivo sobre um mercado, ainda que isso beneficie consumidores, como no caso da Amazon.
Rajan não afirma explicitamente que os gigantes da tecnologia deveriam ser cindidos, apesar de a lógica de seu argumento sugerir isso.
Mesmo assim, é possível imaginá-lo comemorando discretamente quando a forte pressão comunitária forçou a Amazon a abandonar seus planos em Nova York.