Eleição presidencial leva às urnas dois Méxicos

“Dizem que há quase 20 anos temos uma democracia real, desde que acabou o domínio total do PRI [Partido Revolucionário Institucional, que governou por mais 70 anos]. Mas não vejo diferença entre [Vicente] Fox, [Felipe] Calderón [ambos do direitista PAN] e [Enrique] Peña Nieto [PRI]. Todos governaram para fazer o México aparecer bem na foto para os estrangeiros, mas nenhum se preocupou com a pobreza e a violência que mata os mais pobres.”

A explicação não é de nenhum acadêmico especializado, mas sim da vendedora Marisela Ocaña, 58, que veio de Tamaulipas à capital do país aos 15 anos para trabalhar no mesmo mercado de artesanato na Zona Rosa, bairro de classe média da Cidade do México. 

“Meu marido é de Oaxaca, são vários os Estados esquecidos pelo governo. Ali há fome, há recrutamento forçado para trabalhar nas plantações de papoula [para produção de heroína para enviar aos EUA], há extorsão e, se você vai pedir ajuda, verá que estão todos enroscados entre si, prefeitos com narcotraficantes com a polícia. Não tem pra onde acudir. É por isso que vamos votar em AMLO”, conclui.

Se as pesquisas se confirmarem, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, conhecido por suas iniciais, será eleito neste domingo (1º) para um mandato de seis anos. Ele tem 49,6% das intenções de voto, ante os 27% do segundo colocado, o centrista Ricardo Anaya, e os 20% do governista José Antonio Meade. No México, não há segundo turno.

A história de Ocaña não é única e foi ouvida em distintas versões pela Folha ao longo da última semana. 

Em sua terceira eleição, este político veterano da esquerda mexicana (que começou no PRI, passou para a dissidência esquerdista PRD e fundou sua própria legenda) tornou-se o favorito por causa sobretudo dos problemas internos prementes do México.

Os mais citados são corrupção, violência, pobreza e uma espécie de consenso de que os presidentes anteriores “governaram só para os ricos e para os mercados estrangeiros”, como diz um outro vendedor, este de Sinaloa, na mesma feira.

“Eu não sei como era antes, não peguei os anos do PRI hegemônico. Só sei que cresci num país que na verdade são dois. Este aqui, da capital, onde você tem tudo, pode comprar o último iPhone e ir aos melhores restaurantes, e o do interior, onde se enterram pessoas em fossas coletivas, matam-se jornalistas e os pobres pagam metade de seus salários em extorsão para o crime organizado. Não está certo”, diz o estudante James Quinteros, 19, que trabalhava com seu laptop num café do afluente bairro de Condesa. 

Os relatos mostram por que temas como desigualdade, ineficácia das gestões anteriores em diminuir a pobreza (que atinge 41% dos 127 milhões de mexicanos, segundo o governo), o trabalho informal (64% do mercado), corrupção regional e violência são tão citados pelos eleitores.

AMLO pegou carona nesse ambiente de voto de castigo contra Peña Nieto e o establishment. O atual presidente está com aprovação de 20%, e em queda, após escândalos de corrupção na alta cúpula, fracasso em diminuir a desigualdade, aumento da violência e resignação diante dos ataques do vizinho do norte, o presidente Donald Trump. 
 

López Obrador resumiu essa insatisfação no slogan de “ir contra a máfia do poder”. 

A desigualdade no México é de fato um imenso problema, que se mostra nesta eleição impossível de continuar driblando. Apesar de ser a 15ª economia do mundo, quase metade da população vive na pobreza. Segundo pesquisa do World Income Distribution, os 5% mais pobres do México são tão pobres quanto os 2% mais pobres do mundo, enquanto os mais ricos estão entre os mais ricos em nível mundial —basta dizer que a maior fortuna da América Latina pertence ao mexicano Carlos Slim. Outros 16 multimilionários mexicanos têm fortuna similar a 9% do PIB do país.

Entre os estados de mais baixa renda, estão Chiapas, Guerrero, Estado de México, Nayarit, Oaxaca, Sinaloa, Tabasco (onde nasceu AMLO), Tlaxcala e Veracruz, enquanto os mais ricos são os de Aguascalientes, Cidade do México (status de estado), Nuevo León e Querétaro.

Nessa região de mais alta renda estão instaladas as unidades das multinacionais de tecnologia e mercado automotivo que são responsáveis pelo crescimento do PIB mexicano nos últimos anos (em 2017, o avanço foi de 2%). 

Porém, pesquisas mostram que, mesmo entre trabalhadores dessa região, AMLO está ganhando, pois a pressão de Trump para que as empresas saiam do México tem causado demissões e cortes de benefícios a funcionários.

Entre postos parlamentares (será renovado todo o Congresso), as câmaras municipais e o presidente, há 3.000 cargos em disputa. Estão aptos a votar 89 milhões de mexicanos —embora o voto seja obrigatório, não há punição para quem não vota, portanto a abstenção pode ser alta.

Esperando que as pesquisas estejam muito erradas ou por um milagre, estão o segundo colocado, Ricardo Anaya, que armou uma aliança entre um partido de esquerda (o PRD) e um de direita (o PAN, do qual foi presidente), que disse em entrevista à Folha que sua eventual Presidência seria “moderna e de centro” e que corrigiria o comportamento “errático de Peña Nieto”. 

Ele aparece seguido pelo governista José Antonio Meade, que representa o PRI, mas também já participou de governos do PAN. À Folha Meade afirmou que sua principal proposta para acabar com a desigualdade seria “fazer o país crescer, produzir e exportar mais, e então poder levar os benefícios desse crescimento a todos”.

Com apenas 5% das intenções de voto está o candidato independente conhecido como El Bronco, Jaime Rodríguez Calderon, com propostas parecidas às do brasileiro Jair Bolsonaro. A mais controversa delas é combater a corrupção “cortando o braço de quem roubar”.

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