Em defesa de Fernandinho

É triste ter que defender alguém (no caso, o jogador Fernandinho) atacado pela boçalidade do racismo. É inacreditável que, em um país tão miscigenado, ainda haja boçais racistas.

Os melhores argumentos para a defesa do jogador brasileiro encontrei em The Guardian, em artigo do historiador de origem nigeriana David Olusoga. Primeiro, ele deixa claro que, para pessoas negras e asiáticas de sua geração, “o time inglês e a cruz de São Jorge eram ingredientes de um caldo tóxico". Ou seja, o padroeiro da Inglaterra (São Jorge) era visto como um símbolo de racismo.

Pois bem, mesmo em um país com esse passado “tóxico”, Olusoga diz que “é difícil pensar uma esquadra de que mais se possa gostar, [...] e é impossível imaginar um momento melhor para pôr de lado velhas reservas e abraçar esse time inglês".

No caso do Brasil, há ainda mais motivos —e mais antigos— para desterrar o racismo, já que desde sempre a seleção brasileira é uma representação quase perfeita da miscigenação que caracteriza o país.

Abraçá-la nas vitórias e atacar um de seus integrantes na derrota por causa de sua cor é no mínimo indecente.

Claro que sempre se pode criticar este ou aquele jogador, branco ou negro, por ter errado ou jogado mal. Mas me atrevo a defender Fernandinho também pelo futebol e não apenas pela raça.

Ele foi fulanizado pela derrota ante a Bélgica, por causa de supostas falhas nos dois gols. No primeiro, não houve falha. Houve um acidente de trabalho. O jogador fez o que qualquer outro faria nas circunstâncias: saltar para defender um cruzamento para a área. Que culpa tem se a bola desviou em Kompany, foi para o seu braço e por ele desviada para o gol? Queriam o quê? Que amputasse o braço na hora do cruzamento?

No segundo gol, até há motivo para crítica. Fernandinho poderia de fato ter contido Lukaku. Mas atacá-lo pela falha é desprezar o valor do adversário. Lukaku é um búfalo de força e de velocidade admiráveis. Vale no individual o raciocínio de Paulo Vinicius Coelho nesta Folha para o coletivo: “Já está na hora de entender que existem rivais".

No caso, o rival (Lukaku) é um dos quatro jogadores belgas que “estão entre os melhores em suas posições no mundo", segundo meu grande guru na crônica esportiva, Tostão, também nesta Folha (os outros três são Courtois, De Bruyne e Hazard).

Não sou grande fã de Fernandinho, que me parece jogador apenas mediano. Mas satanizá-lo fingindo que enfrentou um perna-de-pau é tão injusto quanto atribuir os belos gols que fizeram a justa fama de Neymar a falhas dos seus marcadores.

Há vida também do outro lado do campo, como, de resto, deixou claro Tostão, ao escrever que “temos de deixar a soberba de lado e aprender com o óbvio, que, contra grandes seleções, as chances de vitória são iguais".

Ou, enfatizando o óbvio ainda mais: cada vez que entra em campo o Brasil pode ganhar, empatar ou perder.

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