Em sínodo, papa tenta descentralizar poder com objetivo de mudar Igreja

Juventude, fé e identificação de vocações constituem o tripé temático do sínodo (assembleia de bispos) que o papa Francisco abre nesta quarta-feira (3), no Vaticano.

Mas, ao menos pelo lado do pontífice, há uma pauta não declarada bem menos asséptica: a descentralização do poder eclesiástico como manobra para se aproximar das mudanças de doutrina que os opositores não o deixam fazer.

Segundo o historiador francês Denis Pelletier, Francisco tenta inverter a lógica de convocação desses encontros amplos —o deste ano, que seguirá até 28 de outubro, congregará mais de 260 bispos.

Se o intento de papas como João Paulo 2º (no comando da Igreja de 1978 a 2005) costumava ser o de regular a diversidade do mundo católico, ou, mais diretamente, "pôr ordem na casa", silenciando vozes dissidentes, o argentino faz justamente apelo ao leque de práticas e interpretações do ideário da religião.

"Já que não tem maioria no topo da hierarquia, Francisco busca dar poder às igrejas locais, descentralizar as decisões. Deixa claro que Roma não vai resolver tudo sozinha", afirma Pelletier, diretor de estudos na Escola Prática de Altos Estudos, em Paris, e membro do Grupo Religiões, Sociedades e Laicismos.

Na visão do pesquisador, o pontífice entendeu que é urgente mudar a relação da Igreja com as comunidades em que ela está inserida.

Para que isso tenha chance de se materializar, apesar da oposição da maioria dos bispos (nomeada nas gestões João Paulo 2º e Bento 16), pluralismo é palavra de ordem.

"Ele está pensando no médio prazo, em [mudanças num horizonte de] dez anos", observa Pelletier, para quem não se deve esperar do sínodo de agora nada tão retumbante quanto o aceno de Francisco em 2015 à reintegração, ao cotidiano católico, de divorciados que se casaram novamente.

"O papa vai reafirmar sua atenção aos jovens, sabe que é preciso renovar a imagem da instituição. Porém, os jovens que vão participar [34 acompanham as plenárias] passaram por seleção prévia", diz. "Podem falar uma ou outra coisa provocativa para que a Igreja mostre capacidade de escutar, mas só", avalia.

Ele afirma, contudo, se tratar de uma assembleia "parasitada" pelos casos de abuso sexual de menores envolvendo religiosos que frequentaram os noticiários recentemente.

Mais momentosa é a participação inédita de bispos da China continental no sínodo, menos de uma semana depois de o Vaticano e Pequim anunciarem um acordo pelo qual sete bispos nomeados pelo regime comunista sem o consentimento de Francisco foram reconhecidos pela Santa Sé. Outros dois, que não passaram pelo crivo chinês, cessarão suas atividades.

Não se conhecem os termos do trato, mas especula-se que o papa passará a ser o único a nomear bispos, deixando à ditadura chinesa poder de veto.

Desde 1949, com a revolução que instaurou a República Popular da China, o catolicismo no país se divide em dois.

Há a ala que se submete ao controle estatal e a clandestina, que segue à risca os preceitos de Roma e é alvo de espoliações, assassinatos, prisões arbitrárias e desaparecimentos há décadas.

Calcula-se que as duas juntas somem cerca de 12 milhões de fiéis no país de 1,4 bilhão de habitantes majoritariamente ateus ou sem religião definida (entre os religiosos, os budistas são os mais numerosos).

O acordo entre Pequim e o papa divulgado no fim de setembro deixou coléricos expoentes do segundo grupo, que disseram se sentir traídos pelo Vaticano. Eles veem no texto uma concessão à ditadura, sem exigir contrapartida.

O cerco a essa vertente clandestina se tornou menos violento nos últimos anos, mas o regime continua retirando cruzes de algumas igrejas, fechando outras.

Segundo a agência de notícias Associated Press, em certos casos, as imagens de Jesus Cristo nas igrejas foram substituídas por retratos do dirigente Xi Jinping.

"Não é possível para Roma não ter boas relações com aquela que em breve será a maior potência do mundo. É uma questão de realismo", diz Pelletier.

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