Em São Paulo, livros não terão mudança na interpretação do golpe, diz Covas
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), diz que vai barrar no ensino municipal paulistano uma eventual mudança nos livros didáticos que retire a classificação de "golpe" para a ascensão dos militares ao poder em 1964, prometida o ministro Ricardo Vélez (Educação) nesta semana.
Neto do governador Mário Covas (1930-2001), que teve os direitos políticos cassados durante a ditadura militar, evocou a história familiar e disse que "não dá para aceitar" o revisionismo.
Covas também lembrou o legado do avô, um dos criadores do PSDB, ao falar da disputa em curso pelo comando do partido e das diferenças entre a visão dos fundadores (incluindo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, os ex-governadores José Serra e André Franco Montoro, entre outros) e a visão defendida pelo atual governador, João Doria, de quem herdou a Prefeitura.
Há um ano, em 6 de abril de 2018, Doria (PSDB) fechava sua passagem meteórica pela gestão municipal e passava o cargo a Covas, então seu vice, para concorrer ao governo estadual.
Na contramão do “gestor” Doria, o novo prefeito assumiu exaltando a política. Desde então, foi obrigado a enfrentar crises que foram de prédio e viadutos caindo a tragédias causadas por alagamentos.
O tucano emitiu sinais diferentes do antecessor, como uma linha mais progressista, mas ainda não conseguiu firmar uma marca com o objetivo de concorrer a reeleição.
Em entrevista à Folha em seu gabinete na Prefeitura, no Viaduto do Chá, ele prometeu triplicar o gasto com zeladoria, sua principal aposta. Também falou dos cortes que tem promovido na área social, da saúde financeira do município e das negociações que tem promovido para devolver ao estado contas assumidas pela Prefeitura, além do plano de adotar a remuneração variável para todo o funcionalismo público municipal, levando em conta metas.
Mas refutou a ideia de que seja um prefeito ausente, que viaje muito. "Saio menos do que 30 dias por ano", afirmou.
O prefeito, que completa 39 anos neste domingo (7), evita falar das eleições de 2020. Colocou entre suas ambições, porém, uma carreira longa no Legislativo.
Faz um ano que o senhor assumiu. No período, do que o senhor se orgulha e o que se arrepende?
Nesse um ano, o principal, que foi manter as metas, os compromissos, a mesma linha do governo João Doria. Apesar de eu estar [há] um ano, é um governo de dois anos e três meses. É a principal promessa que assumi.
Quais foram as maiores dificuldades?
O principal problema de qualquer prefeitura são os vários pequenos problemas. Você tem alguns grandes problemas que vão surgindo, como a queda do edifício no Paissandu, viaduto na marginal, a greve de caminhoneiros, reforma da previdência e a greve dos professores. Tem alguns grandes desafios, mas acho que o mais difícil é que todo dia você tem que lidar com a questão do buraco, remédio do posto de saúde, o ônibus que quebrou. O conjunto é que é o mais difícil aqui.
No que a gestão do Bruno é diferente da gestão João Doria?
Não acho que são duas gestões, é a mesma gestão.
O senhor parece ter outra modulação de discurso, o pessoal à direita acha que o sr. está à esquerda demais. Como se localiza nesse espectro, comparando com o governador?
Eu me localizo dentro do centro, fora das extremidades, tentando com bom senso resolver as questões, sem nenhum radicalismo. A minha história de vida e a minha opção por fazer política vêm um pouco desta área. Eu resolvi que queria fazer política quando, um dia, eu morava aqui em São Paulo, estudava aqui, morei com meus avós. Um dia eu chego às 3h, meu avô está acordado e eu pergunto se ele também estava chegando da balada. Ele diz para mim: "Você viu o frio que está lá fora?" Falei: "É, tá frio". Ele falou: "Como você consegue dormir sabendo que as pessoas estão lá fora e não têm onde morar?" E aí eu vi que aquela preocupação era verdadeira mesmo. Ele não estava falando aquilo para o eleitor, para o palanque, entrevista. Era algo que tirava o sono dele. E aí eu falei: "Vale a pena fazer política para mudar a vida das pessoas".
O sr. citou o seu avô. O Doria declarou que o partido vai mudar. É um pouco difícil reconhecer no partido do governador o partido do seu avô. Como vê isso, com essa herança familiar?
Primeiro, que o debate interno ainda não começou. Ele deve ser iniciado a partir da mudança da executiva nacional em maio. Claro vou me posicionar naquilo que eu entendo que é a história do partido, um partido social democrata. Um partido que entende a importância participação do setor privado na economia em atividades em que não tem sentido o poder público poder participar para que o Estado foque o que é o essencial. Acho que é o principal definidor da social democracia.
Vivemos um momento em que o presidente pediu para que os militares comemorassem o golpe de 1964. O ministro da Educação fala em colocar uma mudança de interpretação do golpe nos livros didáticos.
Meu avô foi preso e cassado pela ditadura. Concordar com isso é achar que ele foi um preso comum. Um preso por conta de ter cometido um crime do Código Penal. E ele foi preso por conta das convicções políticas dele. Ficou dez anos impedido de fazer aquilo que tinha decidido fazer para a vida dele, que era política. Então não posso aceitar, e esse foi um dos grandes fatores de não ter conseguido votar no Bolsonaro no segundo turno. Anulei meu voto no segundo turno.
Não dá para aceitar essa tentativa de reescrever a história. Se for mudar os livros didáticos, os livros da cidade de São Paulo ele não vai mudar.
O sr. acabou de citar a questão social como importante. Mas, recentemente, um secretário do sr. entregou o cargo acusando a gestão de precarizar a assistência social.
Neste ano, o orçamento da Secretaria de Assistência Social é R$ 1,322 bilhão, é impossível que dentro desse valor não tenha mil reais de desperdício. É impossível que todo esse recurso seja 100% bem aplicado. O que nós determinamos através de um decreto foi que cada secretário fizesse uma revisão dos contratos, de tudo aquilo que administra dentro de sua secretaria para poder cortar gordura, cortar desperdício. O que é um ato de boa gestão acaba sendo muitas vezes como se fosse um ato para cortar serviço. A única reclamação que pode vir em relação a isso é daqueles que se beneficiam desta gordura.
Ainda na questão social, sua gestão tomou a decisão de reduzir o número de embarques do vale-transporte. Foi recebido com crítica, por afetar trabalhadores da região periferia. Isso também não contraria o discurso social?
O vale-transporte é responsabilidade das empresas. É obrigação legal do patrão. Não tem sentido a prefeitura de São Paulo subsidiar com R$ 412 milhões por ano uma obrigação das empresas. Se é assim, então vamos liberar as empresas de pagarem o décimo terceiro, o FGTS, porque isso é um custo para elas.
Há relatos de que as empresas escolham pessoas que não precisem fazer muitos embarques e que, ao mesmo tempo, as empresas não pagam o valor extra.
É a mesma coisa que falar: "Não vou pagar o seu terço de férias, não vou pagar o seu décimo terceiro". É fraude à legislação trabalhista, não é opção delas fazer isso. O errado é elas fazerem isso e a prefeitura tem que arcar com o custo das empresas.
A gestão do senhor investiu mais de R$ 500 milhões em asfaltamento de rua, uma das prioridades da gestão e o principal programa em termos financeiros. Por que essa ênfase tão grande em asfalto em detrimento de outras áreas, que estão tendo recursos contingenciados?
Porque é uma necessidade da cidade. Os governos anteriores não fizeram nada. Se tivessem feito, talvez não tivesse que gastar R$ 500 milhões, como vamos gastar ainda muito mais em 2019 e 2020.
A zeladoria foi uma plataforma da chapa do senhor, com o João Doria. Hoje ainda tem muita sujeita, uma situação complicada. O que faltou fazer?
Faltou dinheiro. Por isso que esse ano vamos reforçar o gasto de zeladoria, que era de R$ 500 milhões vai passar para R$ 1,5 bi. Exatamente por isso, para poder focar. Depois de arrumar a casa, agora podemos começar a entregar. Quando assumimos a prefeitura em 2017, o rombo no orçamento entre receitas que não iriam se realizar e despesas superestimadas a gente teve R$ 7 bilhões para cortar em 2017. Isso leva um tempo, não faz da noite para o dia. Não tira R$ 7 bilhões do bolso de forma fácil.
Existe uma crítica constante às suas ausências da prefeitura, com viagens. O sr. acha que sua presença na cidade, nos momentos de crise, tem sido suficiente? Recentemente aconteceu o episódio das enchentes, quando o sr. voltou rapidamente de fora do país.
O prefeito é o grande responsável pelo dia a dia da cidade. Por isso que quando teve o grande alagamento em Perus eu fui visitar. Quando teve a queda do prédio eu estive lá logo pela manhã. Quando teve a queda do viaduto eu também estive lá logo pela manhã. O mínimo que o prefeito precisa fazer em situações como essas é prestar solidariedade, além é claro de toda resposta que precisa ser dada. Sobre minhas viagens, estão dentro do razoável para qualquer trabalhador. Menos de um mês por ano que eu tenho tirado.
Na Secretaria de Habitação, além das indicações políticas dentro da secretaria, estão fazendo nas empresas. Funcionários aproveitando para indicar irmão, filho. Como vê isso e o que pretende fazer?
Assim que essa denúncia surgiu na Folha, eu encaminhei ao Gustavo Húngaro, corregedor do município, para averiguar legalidade, moralidade disso. Estamos aguardando agora a orientação dele para fazer.
Mas a moralidade o senhor mesmo pode julgar.
Cada um tem a sua, por isso a gente tem um órgão específico para poder tratar do tema.
O sr. tem devolvido ao estado o custeio de algumas operações que eram originalmente do estado e que a prefeitura havia assumido, como os hospitais e agora os Bombeiros. Como tem sido esse trato com o governo estadual? O que mais espera devolver?
Quanto mais eles puderem arcar, mais eu gostaria de passar (risos). Tem um monte de gastos que poderia passar, mas não posso também da noite para o dia fazer tudo de uma vez. Não estamos fazendo nada escondido e à revelia. Se em determinado momento o estado não puder aceitar, vamos manter, não tem nenhum problema. Agora, o que é responsabilidade do estado, nada mais justo que o estado arque com recursos dos impostos estaduais.
Também há conversas sobre isenção de gratuidades no transporte público estadual. Como têm evoluído as tratativas com o estado sobre isso?
Também passamos para o estado quanto eles deixam de gastar com transporte escolar porque o aluno do estado tem isenção nos ônibus municipais. A prefeitura paga R$ 3 bilhões por ano de subsídio. Fizemos uma conta do que isso significa e apresentamos ao governo do estado. O quanto eles puderem ajudar, melhor. Aceitar a ideia, ele aceita. Mas claro que o estado precisa fazer a lição de casa dele e arranjar recursos para pagar.
O sr. deve anunciar nos próximos dias investimentos e mudanças nas remunerações dos servidores. O sr. poderia detalhar melhor?
Vamos enviar para a Câmara Municipal um projeto de lei que cria uma remuneração variável por meritocracia. O funcionário poderá ter até 2,4 salários extras por ano caso sejam atingidas as metas. As metas serão aquelas do plano de metas.
De algum forma, vamos vincular todos os servidores ao atingimento de metas do plano de metas. A divisão por secretaria ou órgão ainda será debatido. Os detalhes —se serão metas individuais ou não— serão colocados mais adiante, no decreto, inclusive durante a discussão do projeto na Câmara Municipal.
Um exemplo: nota mínima no Ideb. A gente remunera o professor pela rede ou pela escola ou pela evolução da nota da escola? De que forma individualizar cada secretaria? Isso ainda está sendo debatido pelas secretarias de Gestão e de Governo. O projeto da meritocracia devemos enviar em breve para a Câmara. Deve custar em torno de R$ 200 milhões por ano para dar esses bônus.
Um serviço em relação ao qual o estado não passa o dinheiro que deveria passar para o município é o Samu. Agora a prefeitura está fazendo uma reorganização que também envolve a diminuição de gastos. Dá para melhorar o serviço com a filosofia de corte de gastos contínua?
A filosofia não é cortar gastos. É integrar o Samu com os equipamentos de Saúde. Não tem sentido o Samu ser um serviço autônomo, fora do serviço municipal de Saúde. Ao integrar, estamos aumentando as bases do Samu e retirando 150 funcionários que ficam no administrativo do Samu para atender a população. É uma ação para melhorar o atendimento. A expectativa é a reduzir quase pela metade o tempo médio de resposta do Samu.
A questão de diminuir o tempo médio não parece fazer sentido. Havia bases em pontos que eram considerados estratégicos.
E continua tendo. Mas em vez de ter 51, teremos 76.
E as bases serão adequadas para receber ambulâncias, médicos? Nem todas elas estão preparadas para isso.
Vamos ajustar. Não tem problema. A principal mudança é juntar dois serviços.
Muitos dos seus planos estão ligados a captação de investimento. Os investimentos estão, de certa forma, travados no país. Havia uma expectativa de que, com a mudança de governo e com a evolução da reforma da Previdência, fosse possível trazer mais investimentos para o Brasil. Mas tudo o que não temos hoje, federalmente, é previsibilidade. Como está a situação de São Paulo?
Estamos ajustando o programa de metas justamente porque a realidade econômica que se observa desde 2017 e o projetado para 2020 é bem diferente da projeção que se tinha para o país no início de 2017, quando se via a discussão para aprovação da reforma da Previdência naquele ano. Tivemos, então, que ajustar as metas para a nova realidade. O ajuste já adequamos ao orçamento deste ano e do ano que vem, para que qualquer mudança de rumos venha da aceleração da economia, e que o município faça a mais do que o planejado.
A prefeitura sentiu algum tipo de aceleração do ano passado para este?
Não.
O plano de metas vai reduzir?
O número de metas vai aumentar.
Mas vão ficar menos ambiciosas?
Em alguns casos, menos ambição. Em outros, mais ambição. Por exemplo, o número de pontos de wi-fi. A meta inicial era dobrar, agora passou para triplicar. Outros, como aumentar em 10% o investimento público com recursos da Prefeitura, pela questão econômica, sem a aceleração econômica, precisa de adequação. Isso porque o custeio tem aumentado e a receita, não. Retiramos metas cumpridas e acrescentamos outras que ainda vão ser iniciadas.
Para as eleições de 2020, das quais o sr. deve participar, diversos nomes de candidatas têm aparecido: Ana Estela Haddad, Joice Hasselman, Janaína Paschoal. Como o sr. vê esse cenário?
Em linhas gerais, o que eu sempre falo é que não se escolhe adversário. A Prefeitura de São Paulo é um dos cargos mais importantes do país. O que acontece aqui tem repercussão nacional. É legítimo que as pessoas tenham aspiração a ocupar esse cargo. Os problemas dos outros não criam qualidades em mim. Minha preocupação é entregar o que prometi à população.
O sr. aposta em um arrefecimento da onda conservadora até lá?
A onda conservadora eu espero que passe. Espero que seja um pêndulo e espero que em determinado momento a gente possa diminuir a explosão que tivemos nos últimos anos dos extremos. Que se retroalimentam, inclusive. A extrema esquerda depende da extrema direita para sobreviver, e vice-versa. Quanto maior a outra, mais medo se cria na população e mais se amplia o discurso raivoso. Dividir o país não leva a lugar algum, é prejudicial a todos. Dividir o país entre homens e mulheres, brancos e negros, heterossexuais e homossexuais, Norte e Sul, patrão e empregado, essa divisão prejudica muito.
Depois da prefeitura, qual é a sua ambição?
Qualquer um que começa como estagiário em uma empresa quer chegar aos cargos mais altos. Claro que, na carreira política, também acontece isso. O problema é que a carreira política não depende só de você. A vontade pessoal é preponderante para disputas ao Legislativo. Quis ser candidato a deputado, eu fiz isso. Candidaturas ao Executivo dependem de uma vontade coletiva. A aspiração é fazer sempre mais, mas não depende só de mim. Depende de grupo.