Empresas temem que ano já esteja perdido após caminhoneiros
Embora os indicadores ruins divulgados após a paralisação dos caminhoneiros sejam vistos por parte dos economistas como algo menos desastroso do que o esperado, a percepção está longe de ser compartilhada pela chamada economia real.
Donos de restaurantes, atacadistas, varejistas e a indústria reveem suas projeções até o fim do ano, sob o argumento de que parte das perdas registradas após a paralisação é irrecuperável e também levados pelo temor de que os estragos sobre a confiança de empresários e consumidores sejam mais duradouros.
O setor de serviços, que fechou o ciclo de levantamentos que capturam os efeitos dos protestos de caminhoneiros sobre os principais setores da economia, caiu 3,8% em maio em relação a abril, o pior desempenho da série histórica, iniciada em 2011, segundo dados divulgados na sexta (13).
Antes disso, as vendas no varejo tinham registrado em maio o primeiro resultado mensal negativo do ano: caíram 0,6% ante abril, resultado mais fraco para o mês desde a queda de 0,8% em 2016.
Também em maio, a indústria recuou a patamares de 2003. “O sentimento é de frustração”, resume José Velloso, presidente-executivo da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos).
Velloso conta ainda que, após ter retrocedido a níveis de 2012, o faturamento do setor deve voltar a crescer neste ano— perto de 5%, influenciado pelas exportações.
O setor que historicamente vende para outros países o equivalente a 30% do seu faturamento, neste ano vai exportar 50% do faturamento.
Os comerciantes do bairro paulistano do Bom Retiro, importante polo do atacado de moda onde varejistas de todo o país se abastecem, estão conservadores. Os estoques já estão menores, em linha com a percepção de que os próximos meses não devem trazer fortes vendas, segundo Nelson Tranquez, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas do Bom Retiro.
Além da paralisação dos caminhoneiros, a Copa do Mundo agravou um cenário já preocupante, diz Percival Maricato, presidente da Abrasel-SP, associação dos bares e restaurantes de São Paulo.
No varejo, a paralisação dos caminhoneiros frustrou as expectativas de uma retomada das vendas que, na verdade, já vinham perdendo ímpeto no primeiro trimestre.
“Em abril e maio tivemos esperança de que haveria um alento, mas veio a greve dos caminhoneiros para acumular mais lentidão na retomada e prejudicar todos os setores, além da Copa, que nunca foi um incentivador do comércio”, diz Luís Augusto Ildefonso, presidente da Alshop (de lojista de shoppings).
Se abril e maio decepcionaram, os primeiros dados de junho do comércio varejista causam apreensão.
Nelson Tranquez, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas do Bom Retiro, diz que as vendas encerraram o mês com estabilidade. “Em junho empatamos, depois de um período de abril a maio com resultados bem inferiores aos do ano passado”, diz Tranquez, decepcionado também com o inverno de temperaturas altas que atrapalhou as vendas de roupas de frio. “É difícil saber o que ainda vem por aí.”
Levantamento feito pela Serasa mostra que, com exceção de uma alta de quase 10% da venda de combustíveis em junho, outros setores ainda mostram fraqueza. O setor de vestuário e calçados recuou 0,4% sobre maio e materiais de construção, 4,5%. Nos shoppings, o fluxo de visitantes caiu 3,48% em relação a maio, de acordo com a Abrasce, associação do setor.
Para o segundo semestre, as eleições são vistas como um elemento adicional de instabilidade. “As eleições vão trazer mais incerteza ao consumo, pela indefinição no quadro, ainda sem expectativa de algum nome que possa retomar a economia com as reformas necessárias”, diz Ildefonso, da Alshop.
No segmento de moda, os consumidores estão apreensivos e deixaram de fazer compras por impulso, e o setor deposita esperanças nas últimas datas importantes para o varejo. “Quem sabe no Natal e na Black Friday venham as compras por necessidade”, diz Ildefonso.
No caso de restaurantes e bares, as eleições tradicionalmente são vistas como um momento de alta na demanda, mas não neste ano. “Eleição geralmente é favorável porque tem um clima de festa e reuniões, mas na deste ano não sabemos o que esperar porque há muita insegurança devido à situação em que nos encontramos no país”, diz Percival Maricato, presidente da Abrasel-SP, associação dos bares e restaurantes de São Paulo.
Diante do cenário geral, os economistas se dividem: parte deles avalia que as perdas observadas após a paralisação dos caminhoneiros serão recuperadas ao longo do ano, outros acreditam que os estragos serão mais permanentes.
O economista Guilherme Dietze, da FecomercioSP, aponta que os indicadores de confiança tanto do consumidor como do comerciante já vinham em queda, mas a greve dos caminhoneiros foi o estopim para o pessimismo.
Ele descreve um cenário que combina queda do endividamento com o nível mais elevado de inadimplência. “Isso significa que quem tem condições está aproveitando para pagar as dívidas e não assumir mais, e quem está com dívidas em atraso está com dificuldades para resolver. É um sinal claro de freio na economia”, afirma Dietze.
Em junho, os seis indicadores de confiança da FGV (Fundação Getulio Vargas) caíram. O mais preocupante é que a piora da confiança antecede a paralisação.
Os indicadores captam o ânimo de indústria, comércio, serviços e construção civil, além de empresários e consumidores. A maior queda foi registrada na confiança dos consumidores: de quase cinco pontos em junho —a maior desde fevereiro de 2015.