Enfrentando dor física e mental, nadadoras dos EUA encontram esperança
A prova feminina dos 200 metros em estilo livre, no campeonato nacional de natação dos Estados Unidos, serviu como um gigantesco tubo de ensaio para estudar a cultura da saúde mental no esporte da natação.
Allison Schmitt, que participou de três Olimpíadas e conquistou oito medalhas olímpicas e o recorde americano da prova, avançou para a final, depois de falar francamente sobre sua luta contra a ansiedade quanto ao desempenho e a depressão.
Fechando a final C em terceiro lugar, ou seja, no 19º posto da classificação geral do torneio, Missy Franklin, que participou de duas Olimpíadas e conquistou seis medalhas olímpicas, viu na medalha de prata conquistada por Schmitt um motivo para acreditar que ela também conseguiria voltar à superfície.
Franklin, no passado uma menina que sempre parecia exuberante e muita gente encarava como o novo Michael Phelps, agora se vê forçada a tentar emergir de profundezas obscuras. Seis anos atrás, aos 17 anos, ela conquistou quatro medalhas de ouro na Olimpíada de Londres.
Na semana passada, depois de uma cirurgia nos dois ombros e em meio à sua constante batalha contra a depressão, ela fracassou em sua busca de uma vaga na equipe que representará os Estados Unidos no torneio Pan-Pacífico deste ano e no Mundial de natação de 2019, o que significa que sua próxima grande competição internacional será a Olimpíada de 2020 —se ela conseguiu chegar lá.
"Ver Allison Schmitt esta noite me inspirou muito", disse Franklin, depois da prova no Centro Aquático Woollett, sobre outra campeã que enfrentou uma doença mental. "Foi incrível que ela tenha conseguido, e com essa rapidez. Mas acredito, até por isso, que tenho de tomar cuidado e não me comparar com ela, para não me sentir desencorajada com a situação em que estou agora".
Ao concluir a sentença, Franklin estava segurando as lágrimas. A demonstração de vulnerabilidade já deveria ser vista como triunfo. Em 2016, Franklin disputou sua segunda Olimpíada, mas não conseguiu avançar à final nas duas modalidades individuais em que competiu.
Ela ficou com uma medalha de ouro por nadar uma das primeiras pernas de uma prova de revezamento, e tentou desesperadamente fingir que isso a deixava feliz. O esforço a deixou esgotada, deprimida e desesperada por respostas.
Segurando novas lágrimas, na noite de quinta-feira, Franklin disse que "tentar resolver isso tudo e tentar voltar àquele ponto no que eu sentia sobre a natação, tentar voltar a amar o esporte, vem sendo uma jornada complicada".
Abrindo caminho para Franklin, 23, está Schmitt, 28, que depois da prova vestia uma camiseta com os dizeres "a saúde mental é tão importante quanto a saúde física". Empinando o peito, ela perguntou: "Você gosta da mensagem?"
A espiral emocional negativa de Schmitt começou pouco depois de ela conquistar cinco medalhas, três das quais de ouro, na Olimpíada de Londres. A saúde mental de Franklin se deteriorou depois que ela conquistou cinco medalhas, entre as quais quatro de ouro, em Londres, em 2012, seguidas por outros seis ouros no Mundial de 2013.
Talvez ninguém compreenda melhor a lei da realização, que dispõe que a concretização de grandes fantasias vem seguida de colapsos emocionais, do que Michael Phelps, que conquistou um total de 28 medalhas olímpicas. Em 2014, ele emergiu de uma estadia de oito semanas em um centro de recuperação com uma nova sabedoria, que tenta repassar a outros atletas de elite.
Como um salva-vidas sempre de olho nos nadadores de sua área, Phelps reconheceu a ansiedade que estava tomando a mente de Schmitt antes da prova da quinta-feira, sua primeira grande final nacional depois da seletiva para a olimpíada de 2016, Phelps, que assistiu à prova, enviou uma série de mensagens de texto a ela para dizer que seu valor como pessoa não dependia de um resultado na natação.
Em 2015, Phelps intuiu o desespero de Schmitt e a procurou, dizendo que se ela precisasse de conselhos, podia procurá-lo. Ele fez o mesmo convite a Franklin em 2016, depois de perceber que seu temperamento sempre ensolarado parecia menos caloroso. "Eu vi que ela estava enfrentando dificuldades", disse Phelps. "É realmente difícil sair de uma grande olimpíada e partir para a seguinte com ímpeto; as coisas não correm de maneira perfeita. Você termina se criticando demais, e isso não é saudável".
Phelps, 33, disse que "toda essa mentalidade de macho" o impediu de procurar ajuda. Especulou que a alegria efusiva de Franklin talvez tivesse se tornado um obstáculo para ela. "Era aquilo que as pessoas amavam, que as pessoas viam", ele disse. "Por isso, ela talvez tenha se sentido forçada a ser daquele jeito. Quando você tenta ser algo que não é, é difícil. Sei bem".
O progresso de Franklin foi desacelerado por uma lesão nas costas, nos preparativos para a Olimpíada de 2016, e ela ficou fora das piscinas no ano passado, depois de sofrer uma cirurgia nos dois ombros. Os reveses físicos, combinados às expectativas consideráveis que seu sucesso criou, tiveram um custo, ela disse.
"Mesmo nos momentos mais difíceis por que passei, sempre havia efervescência, sempre havia alegria, sempre havia felicidade", disse Franklin. "Sou assim. Mas passou a existir algo no fundo de mim com o que eu não sabia como lidar e como compreender".
Ela disse que a base de sua identidade passou a ser sua posição de nadadora campeã, "e eu nem percebi que isso estava acontecendo". Ela acrescentou: "E ter isso tirado de mim foi muito, muito sofrido".
Franklin, que revelou seus problemas de ansiedade quanto ao desempenho e depressão no ano passado, fechou as quatro voltas da prova dos 200 metros rasos em 1min59s25, na quinta-feira, bem abaixo dos 1m56s18 que ela registrou para conquistar a vaga na equipe olímpica pela segunda vez. Mas tentou não se incomodar demais com o tempo, porque a preocupação com resultados foi uma das causas de suas dificuldades mentais, no passado.
Franklin disse que ninguém, nem mesmo Phelps, poderia ter a resgatado emocionalmente.
"Creio que mesmo que Michael me procurasse e dissesse alguma coisa —e ele sempre esteve disponível para mim, sempre me ofereceu apoio— eu não teria sabido o que fazer com a oferta", ela disse. "Era algo que eu realmente tinha de resolver por minha conta".
Para Franklin, a alegria da redescoberta começou com colocar a si mesma em primeiro lugar, o que nem sempre é fácil para alguém que sempre procurou "contentar os outros", como ela descreve sua postura.
Franklin não é como Schmitt, que disse que a natação salvou sua vida porque a forçava a sair da cama a cada manhã para treinar quando ela estava se sentindo profundamente deprimida; o esporte lhe dava um propósito.
"Já no meu caso acho que o esporte era mais a causa do desânimo", disse Franklin, rindo. "Serei bem honesta. Havia muitos dias em que me levantar e ir para o treino era absolutamente a última coisa que eu queria. Mas ficar deitada na cama quase me fazia sentir ainda pior sobretudo, e mais culpada, e conduzia a uma espiral de emoções, a sentimentos negativos quanto a mim mesma, por não conseguir encontrar motivação".
A resposta sucinta sobre o motivo de Franklin para voltar ao esporte que lhe deu tantas coisas e, recentemente, também lhe causou muita dor é que ela não quer sentir arrependimento.
"Penso muito no longo prazo, quando tento estabelecer minhas metas", disse Franklin, cujo foco é a seletiva para a Olimpíada de 2020, em Omaha.
"Por exemplo, sobre o que acontece se, ao chegar lá, depois de dois anos e meio de treinamento muito sacrificado, eu não conseguir a vaga. E sempre digo a mim mesma que prefiro 100 vezes estar em Omaha em 2020 e não conseguir a classificação, sabendo que tentei, do que contemplar os dois anos passados e pensar no que poderia ter sido".
A camaradagem que Schmitt encontrou em seus treinos na Universidade Estadual do Arizona, onde está fazendo mestrado em serviço social, foi um estímulo para o retorno. E algo de engraçado aconteceu quando ela começou a se divertir com o esporte de novo. O tempo dela na quinta feira —1m55s82, inferior ao 1m54s60 de Kate Ledecky— foi quase um segundo mais rápido do que o que ela registrou na seletiva olímpica de 2016.
"Eu estava bem em 2016", disse Schmitt. "Mas não tinha chegado ao meu melhor. Provavelmente ainda não cheguei, mas vou melhorando a cada dia".