Entenda a discussão sobre crime comum e eleitoral que pode atingir a Lava Jato
Nesta quarta (13), o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início a um julgamento que deve definir se processos que envolvem caixa dois, um crime eleitoral, associado a crimes comuns, como corrupção, devem ser enviados por inteiro à Justiça Eleitoral ou se devem ser separados e ter partes encaminhadas à Justiça comum e partes à Justiça Eleitoral.
De um lado estão os procuradores da Operação Lava Jato e a Procuradoria-Geral da República, favoráveis à separação. De outro, políticos e alguns membros do próprio STF, que vinha decidindo pelo envio à Justiça Eleitoral.
A questão veio à tona no ano passado, quando o STF restringiu o foro especial dos parlamentares e alguns processos da Lava Jato que estavam no tribunal tiveram que ser remetidos a instâncias inferiores. Além disso, muitos políticos envolvidos na operação ficaram sem mandato após perderem a eleição de 2018, e as ações terão o mesmo destino.
Abaixo, entenda a discussão e as consequências que o julgamento pode ter para o tratamento dado a casos de corrupção.
O que está sendo discutido no STF?
O tribunal deu início, nesta quarta (13), a um julgamento que pode decidir se processos envolvendo caixa dois (crime eleitoral) associado a delitos como corrupção e lavagem de dinheiro (crimes comuns) devem ser enviados por completo à Justiça Eleitoral ou se devem ser separados e enviados à Justiça comum e à Eleitoral. O caso em questão é o do inquérito que apura suspeitas de caixa dois, corrupção e evasão de divisas envolvendo o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) e o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (DEM).
Por que o assunto entrou em pauta?
Com restrições ao foro especial determinadas pelo STF e com a perda do mandato de políticos envolvidos na Lava Jato, processos que estavam com o tribunal devem ser enviados a instâncias inferiores. A Segunda Turma do STF, responsável pelos casos da operação, tem optado por enviá-los à primeira instância da Justiça Eleitoral, uma vez que a maioria do colegiado entende que esta teria preferência para julgar os crimes eleitorais e aqueles a eles relacionados.
No caso em julgamento, o STF entendeu que, como parte dos supostos crimes não estaria relacionada ao mandado de Pedro Paulo como deputado federal, deveria ser remetida à primeira instância.
A defesa pede que o processo continue no STF ou, não sendo isso possível, que seja remetido à Justiça Eleitoral, e não à Justiça comum. A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, defende que a ação seja dividida, e que parte seja enviada à Justiça Federal (Justiça comum) e parte à Justiça Eleitoral, de acordo com os delitos em questão.
O que diz a PGR?
Pede que os casos sejam separados. Para a PGR, a Justiça Eleitoral não está equipada para lidar com crimes complexos como o de corrupção e não tem profissionais especializados nisso. Essa também é a visão do ex-juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro.
O que dizem os procuradores da Lava Jato?
Afirmam que a decisão pelo envio dos casos à Justiça Eleitoral pode esvaziar a Lava Jato, uma vez que a maioria dos processos ligados à operação envolve a associação entre caixa dois e crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. Além disso, afirmam que a decisão pode abrir precedente para que processos que já foram julgados pela Justiça comum sejam questionados juridicamente. Isso não é consenso entre especialistas.
O que dizem os especialistas favoráveis à separação dos casos?
Consideram que o envio de ações envolvendo crimes comuns sobrecarregaria a Justiça Eleitoral. Por sua natureza, esse ramo do Judiciário prioriza processos relacionados à cassação de mandatos, que demandam resolução célere. Outro problema é a própria composição da Justiça Eleitoral, que não tem membros fixos, mas magistrados “emprestados” de outros tribunais e advogados integrando os Tribunais Regionais Eleitorais e o Tribunal Superior Eleitoral (leia mais abaixo).
Por fim, a Justiça Eleitoral é considerada por advogados dos réus como atrativa por envolver punições mais brandas.
E os contrários?
Afirmam que o Código Eleitoral especifica que cabe à Justiça Eleitoral “processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos” (art. 35º). Também defendem que cabe ao Ministério Público e à Polícia Federal se reestruturarem para que os casos sejam investigados no âmbito da Justiça Eleitoral.
O que o STF tem decidido até agora?
O entendimento dos ministros da Segunda Turma é que, segundo a lei, a Justiça Eleitoral, por ser especializada, tem preferência para julgar os crimes eleitorais e aqueles a eles relacionados. Na Primeira Turma ainda não houve votações envolvendo essa questão.
O que aconteceu com os casos enviados à Justiça Eleitoral?
Em São Paulo, casos da Lava Jato remetidos à Justiça Eleitoral em 2018 pouco andaram no Ministério Público Eleitoral. No âmbito da Lava Jato do Paraná, há condenações em até 6 meses na Justiça comum.
Como são escolhidos os membros da Justiça Eleitoral?
A Justiça Eleitoral não tem magistrados permanentes, sendo integrada por juízes de outras esferas que são “emprestados” aos tribunais eleitorais por mandatos de dois anos.
Os juízes de primeira instância são juízes da Justiça estadual comum.
Cada Tribunal Regional Eleitoral —cada estado tem o seu— é composto por dois juízes de direito, dois desembargadores, um juiz da Justiça Federal e dois advogados “de notável saber jurídico e idoneidade moral” nomeados pelo presidente da República, dentre uma lista de seis nomes elaborada pelo Tribunal de Justiça do estado.
Já o Tribunal Superior Eleitoral é formado por três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dois ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois advogados nomeados pelo presidente da República, dentre uma lista de seis indicados elaborada pelo STF.
E os do Ministério Público?
O Ministério Público Eleitoral não tem uma estrutura própria, sendo formado por integrantes do Ministério Público e do Ministério Público Federal que se revezam e exercem as funções eleitorais por períodos definidos.