Entrevista com governador de SP | Doria critica guru de Bolsonaro e diz que é erro comemorar golpe
O governador paulista, João Doria (PSDB), diz que o Brasil viverá uma situação de caos social e econômico caso a reforma da Previdência não seja aprovada no primeiro semestre deste ano. "Todos mergulharão no caos. Todos, sem exceção", afirma.
Para ele, o próprio presidente Jair Bolsonaro (PSL), "passados momentos de turbulência", percebeu que o diálogo com o Congresso Nacional é necessário para a estabilidade do governo e a aprovação das reformas.
Ele nega que esteja se distanciando de Bolsonaro para não ser contaminado pelo desgaste sofrido pelo presidente. "Não estou colando nem descolando", diz.
Doria faz ressalvas a algumas iniciativas do governo, como a comemoração golpe de 1964. Para ele, não é possível negar que houve uma ditadura no país. "Não se pode apagar o passado", diz.
O governador de São Paulo também defende o vice-presidente, general Hamilton Mourão, dos ataques do escritor Olavo de Carvalho, guru de Bolsonaro. "Alguém que nem sequer vive no Brasil e cuja opinião, para mim, não tem valor", afirma Doria em relação a Olavo.
Diante da pergunta inescapável (é ou não candidato a presidente da República em 2022), ele diz que "agora é hora de gestão, de administração".
O sr. anunciou um contingenciamento de R$ 5,7 bilhões nas despesas do governo para 2019. Qual é a real situação do estado de SP? O senhor recebeu uma herança inesperada? O quadro fiscal do governo está sendo apresentado pelo secretário da Fazenda, Henrique Meirelles, e pelo secretário de Governo, Rodrigo Garcia. Da forma exata com que ele foi encontrado. A nossa avaliação não é política nem ideológica. Ela é técnica. Ela é feita na matemática.
O sr. esperava uma situação melhor? Tínhamos dúvida dado o período eleitoral que antecedeu a posse. E obviamente isso se refletiu no resultado fiscal do estado.
Agora, nossa análise foi absolutamente técnica. Ela não teve nenhum viés de ordem política. Por isso o resultado foi feito pelas duas equipes, de Governo e Fazenda.
Há algum outro setor econômico que corre riscos em SP e que precisa de socorro além do das montadoras, para as quais o governo anunciou um pacote de incentivos? O setor não veio pedir socorro. O governo é que tomou a iniciativa de olhar um setor que representa milhares de empregos na cadeia produtiva do estado de São Paulo.
Num único caso, o da [montadora] General Motors [que chegou a anunciar o fechamento de suas operações], 65 mil empregos diretos e indiretos seriam perdidos se nós não tivéssemos agido.
Na defesa dos brasileiros de São Paulo, o governo vai sempre se posicionar.
Como o sr. vê o quadro econômico brasileiro e as eventuais dificuldades de se aprovar a reforma da Previdência? A não consolidação da reforma da Previdência até a metade deste ano pode levar o Brasil ao caos econômico e ao caos social.
Porque vai faltar dinheiro. E não apenas para o governo federal. Vai faltar dinheiro para todos os estados, sem distinção. E o mesmo ocorrerá em relação aos municípios.
Mas por que a aprovação tem que ocorrer necessariamente até o meio do ano? Se não for aprovada até a metade do ano, ela dificilmente vai ser aprovada no segundo semestre. O adiamento já refletirá uma perspectiva ruim.
A inflexão do Brasil será sem a reforma da Previdência e com a reforma da Previdência. Sem: caos econômico e social, impondo aos mais pobres a perda de empregos e o empobrecimento das ações sociais de municípios, estados e do governo federal.
Ninguém escapa. Todos mergulharão no caos. Todos, sem exceção.
O sr. tem conversado com o presidente Jair Bolsonaro sobre isso? Tenho. Aliás, com ele e com os líderes, a começar pelo presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), da Câmara dos Deputados, e o presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). E eles estão cientes e conscientes da responsabilidade que possuem.
O sr. os convida para conversar ou eles o procuram? Nós temos uma relação muito fluida e constante, além de uma amizade pessoal. E tenho falado também com muita frequência com o ministro da Economia, Paulo Guedes. E com o próprio presidente.
O presidente não está comprando brigas e criando tensões desnecessárias? O senhor o aconselha? Não é o caso de aconselhamento. É o caso de compartilhamento de opiniões.
Ele está consciente, sim, da importância da reforma, está consciente de que a relação com o Congresso tem que ser de diálogo construtivo. E com o Poder Judiciário também.
Ele tem consciência de que o diálogo e o respeito pelos Poderes é importante para a estabilidade de seu governo e o que a aprovação de reformas vai representar para o futuro do Brasil.
O sr. não vê nenhum problema na figura e na atuação de Bolsonaro? Passados momentos de turbulência, eu creio que o próprio presidente Bolsonaro percebeu claramente que é importante manter o diálogo altivo. E sair fora, vamos dizer, de linhas que possam criar molestações, interpretações que não sejam aquelas do interesse do país.
Às vezes o mau momento ajuda a que o bom momento se sobreponha. Hoje nós estamos na linha do bom momento.
Há análises de que o sr. estaria se descolando de Bolsonaro porque ele está se desgastando. Eu não estou colando nem descolando. Nós temos uma relação boa, desde o início, mesmo antes da posse. Estabelecemos uma linha de diálogo, de conversação, que tem se mantido. Não houve nenhuma modificação.
Eu dialogo bem com ele. E eu gosto do diálogo com o presidente Bolsonaro. Eu tenho que ser sincero nisso.
Ele ouve. Ele processa o que escuta. Tem sido extremamente atencioso comigo, com São Paulo.
Eu não fico pressionando o presidente da República pelos temas de São Paulo. Eu pressiono pelo bem do Brasil.
E como foi a conversa do sr. com o vice-presidente, general Hamilton Mourão? Ele tem sido atacado pelo guru do presidente, o escritor Olavo de Carvalho. Eu prefiro não emitir a minha opinião sobre Olavo de Carvalho. Até porque não considero importantes as opiniões que ele tem a emitir sobre o Brasil. Porque ele nem sequer vive aqui [e sim nos EUA].
O general Mourão merece respeito e consideração. É uma boa pessoa. Tem procurado se conduzir bem, com estabilidade, bom senso, equilíbrio e preservando a relação com o presidente Jair Bolsonaro.
Prefiro confiar nessa interlocução com o general Mourão, com o presidente Bolsonaro e com os demais aqui citados do que com alguém que nem sequer vive no Brasil e cuja opinião, para mim, não tem valor.
Rodrigo Maia disse que o DEM tem compromisso com a agenda econômica liberal mas não com as pautas conservadoras de outros temas, já que é um partido de centro-direita e não de extrema-direita. E o PSDB? A reforma tributária não é nem de direita nem de esquerda. Ela é justa e necessária. Todas as medidas do governo Bolsonaro que forem boas para o Brasil contarão com o apoio do PSDB.
O PSDB tem que respeitar os posicionamentos à esquerda e à direita. Tem que condenar os extremismos, numa ponta e na outra. Tem que ter capacidade de diálogo com a esquerda e com a direita, mas com sentimento liberal do ponto de vista econômico, apoiando a livre iniciativa, a desestatização. Para isso, não é preciso desrespeitar nem condenar o passado do PSDB.
Agora, a interpretação de hoje é diferente daquela do passado. Por óbvio. O Brasil mudou, está em uma outra sintonia. O mundo mudou também. O partido tem que estar sintonizado com as perspectivas de hoje.
O PSDB deverá deixar de ser um partido de centro-esquerda para ser de centro.
O partido já não era liberal na economia? Sim. Mas pode ser mais. E deve ser.
O que o sr. achou da comemoração do golpe de 1964, sugerida por Bolsonaro? A meu ver, o governo não agiu bem ao promover ou ao pedir que isso fosse comemorado. Eu não creio que o golpe de 1964 deva ser objeto de comemoração. 31 de março foi um golpe. Nós não podemos negar isso.
E depois uma ditadura. Isso é bastante claro. Mas não estabelece também a necessidade de formar antagonismos, de criar situações de conflito nesse momento. A Comissão da Verdade já foi estabelecida, as reparações já foram feitas. O passado passou.
É preciso respeito também por aqueles que representam o lado militar e que hoje estão no poder. Ou os que estão garantindo a estabilidade democrática do país.
Eu falo isso com a tranquilidade de ser filho de um deputado cassado pelo golpe militar, exilado por dez anos. Eu mesmo fiquei no exílio por dois anos com o meu pai.
Então essa história existiu. Negar a existência de uma história real não é recomendável. Não se pode apagar o passado.
Quem estimulou esse debate foi o próprio presidente. Vamos olhar daqui para a frente. Reviver uma situação de antagonismo do passado não vai ajudar o Brasil. Repito: agora é hora de paz e de harmonia.
Na questão da segurança, o sr. já disse algo parecido com bandido bom é bandido morto. Eu nunca defendi morte de bandido. Eu sempre defendi que a polícia deve agir com firmeza e determinação, mas dentro dos protocolos. Eu sempre usei a frase "polícia na rua, bandido na cadeia". Isso [o combate à criminalidade] não justifica ações que sejam descontroladas e que desrespeitem o protocolo da Polícia Militar.
Considera que a letalidade policial é grave? Grave é a falta de controle sobre a criminalidade. Isso é que é grave. O estado não pode ser refém da criminalidade.
Em 35 dias de governo, nós tomamos, junto com o ministro [da Justiça] Sergio Moro, uma medida que São Paulo sempre adiou, de retirar todos os líderes da principal facção criminosa do país, que é o PCC, do estado. São Paulo não será refém.
O sr. está indo para a China. São Paulo fará todo o esforço para a captação de novos investimentos.
Nisto, a prioridade é a China, que já é o maior parceiro comercial do Brasil e tende a crescer ainda mais.
Queremos facilitar seus investimentos, e igualmente os do Médio Oriente, os grandes fundos soberanos localizados em Abu Dhabi, Dubai. Nós também iremos para lá este ano. E obviamente vamos continuar buscando os EUA e na Europa.
São Paulo vai agir com dinâmica e de forma multilateral.
O que achou da abertura de um escritório de negócios do Brasil em Jerusalém, que acabou gerando ruídos? Nós temos muito respeito pela comunidade judaica mas também pela comunidade árabe. O ideal, a meu ver, é manter uma boa relação com essas duas comunidades, que são investidores e compradores de produtos do Brasil.
Uma boa política é a política que valoriza essas duas comunidades e que respeita também os seus sentimentos.
E o que o senhor achou da abertura do escritório? Que respeita seus sentimentos. Pronto!
Agora, a pergunta inescapável. Inescapável, eu já sei qual é. Mas faça [risos].
E qual pergunta o senhor acha que eu faria? Agora é hora de gestão, de administração.
Não é, em absoluto, o momento de iniciar qualquer tipo de discussão sobre sucessão nem campanha, muito menos sucessão presidencial.
Qualquer pessoa pública com responsabilidade sabe que tem que focar na gestão. Nós temos que concentrar atenções na reforma da Previdência e torcer para que o governo Bolsonaro seja bem sucedido. Ele sendo bem sucedido será bom para todos nós.