Escola de R$ 10 mil programa visita a ONGs para tirar seus alunos da bolha
A Avenues, escola de Nova York que abriu campus em São Paulo, não teve dificuldade para encontrar quem pague a anuidade de R$ 124.300, dividida em matrícula de R$ 16.500 e 11 mensalidades de R$ 9.800.
Já são 832 matriculados desde agosto de 2018, quando foi inaugurada a suntuosa sede no Morumbi, zona oeste. No próximo ano letivo, com início em agosto, seguindo o calendário norte-americano, eles pagarão R$ 133 mil, com a primeira de R$ 17.500 e as demais de R$ 10.500.
A cada semana, cerca de 30 famílias visitam o local interessadas no processo seletivo, com taxa de R$ 400. Entre março de 2017, quando as admissões começaram ainda em um escritório, até junho de 2018, foram inscritos 2.187.
O número dos não aprovados “é considerável”, segundo Lisa Peixoto, diretora de admissões, que prefere não divulgá-lo —dentre os mais de mil que não realizaram a matrícula, houve quem tenha desistido. Há teste de conhecimento e verificação do histórico escolar, como em outros colégios, mas também entrevistas com alunos e com a família, para ver o grau de afinidade de valores e expectativas.
A partir do segundo ano, é preciso ter conhecimento do inglês, língua oficial da escola, e o grau exigido aumenta conforme o nível escolar. Só temas relacionados ao Brasil são ensinados em português.
Lisa conta que o interesse de algumas famílias é tanto que cerca de 15 que não tiveram os filhos aprovados em razão do idioma foram morar por alguns meses nos Estados Unidos a fim de acelerar o aprendizado das crianças para refazer o teste.
Existe a oferta de bolsas parciais, além da integral para estudantes de baixa renda, e o abatimento depende de uma detalhada avaliação financeira que a Avenues faz da família. Além da renda, verificam-se financiamentos, automóveis, atividades extracurriculares e até despesas médicas.
“É um estudo rigoroso. Muitas vezes percebemos que um desconto de 10% ou 20% é realmente necessário e o oferecemos, mas há quem pleiteie a bolsa e, quando vamos analisar, percebemos que poderia pagar a mensalidade de uns 15 alunos”, afirma.
O valor das mensalidades é o mesmo para todos os níveis, e são admitidas crianças a partir de 3 anos. Como o calendário é o do hemisfério norte, ou seja, de agosto a junho, os alunos têm de voltar um semestre no nível. Quem terminará, por exemplo, o 1º ano ao final de 2019, no começo de 2020 entrará na turma que estará cursando o segundo semestre do 1º ano.
Cerca de 70% dos estudantes, segundo Lisa, vieram de colégios brasileiros, entre eles Santo Américo, Bandeirantes, Santa Cruz, Vera Cruz, Porto Seguro, Vértice e Dante. Há em torno de 20% egressos de internacionais ou bilíngues, como Chapel, PlayPen e See-Saw. Estrangeiros são 10%.
Em junho de 2021, deverá se formar a primeira turma da Avenues São Paulo, que receberá diploma brasileiro e norte-americano. A maior probabilidade é que cursem faculdades estrangeiras, dos EUA em especial.
Há tutores para ajudá-los na escolha do curso e das universidades, e a formação é voltada às exigências de cada instituição, com o preparo da documentação para o processo seletivo, considerado mais integrado e abrangente do que o vestibular brasileiro.
Nos Estados Unidos, leva-se em conta o histórico escolar e uma série de informações para além das notas, como a participação em projetos sociais e a habilidade comunicativa.
“Aqui no Brasil eu sabia definitivamente que não ia querer fazer faculdade”, fala uma aluna do 10º ano. A estudante e outros da Avenues conversaram com a Folha, com autorização dos pais, sob a condição de não terem os nomes revelados na reportagem por motivo de segurança. Essa, aliás, é uma questão central para a escola. O campus tem seguranças por todo lado.
O prédio, no qual foram investidos US$ 100 milhões, chama a atenção nos arredores da ponte Octavio Frias de Oliveira (Estaiada).
Seus 42 mil m² incluem jardins internos e áreas externas na cobertura para quadras e praças, há cem salas de aula, 12 de música, sete de artes, 11 laboratórios e um teatro de 570 m². Dois terrenos vizinhos foram adquiridos. Serão mais 6.500 m², totalizando 48,5 mil m² —bem mais do que o campus de Nova York, com 30 mil m², vizinho do parque suspenso High Line, em uma área em ascensão de Manhattan.
Mesmo entre a elite, estar na Avenues chama a atenção, e alguns dos alunos que conversaram com a Folha comentaram sofrer “um certo preconceito” de amigos.
“Dizem que sou da escola de rico, até evito comentar que estudo aqui”, conta uma menina do 10º ano, que deixou o Porto Seguro, onde a mensalidade sai em torno de R$ 3.800.
“Também existe aquele estereótipo, como, por exemplo, achar que todo mundo aqui apoia o [presidente Jair] Bolsonaro. Discutimos bastante política nas eleições e estava bem dividido”, afirma.
Outra menina do 10º ano comenta: “O que eles não entendem é o seguinte: antes de eu vir para cá, era a única aluna da sala que, quando acontecia algo importante, como a tragédia de Brumadinho, lia tudo sobre o assunto e podia até dar palestra para a turma. Aqui, todos são esses alunos que dão palestras”.
Se os estudantes sentem o contraste mesmo dentro do topo da pirâmide econômica, visitas à favela localizada em frente à escola, a Jardim Panorama, é muitas vezes descrita como “um choque”.
Com o difícil compromisso de não manter os alunos em uma bolha, a Avenues os leva a realizar projetos sociais, e grupos já estiveram em ONGs, escolas públicas e UBS (Unidade Básica de Saúde).
Não foi fácil obter autorização dos pais, que tiveram de ser convencidos em reuniões. Os alunos são sempre acompanhados de seguranças.
Diretora de engajamento comunitário, Sylvia Guimarães diz que essa medida é necessária nesse primeiro momento, para tranquilizar as famílias, mas que a intenção é que se construa uma relação de confiança com a vizinhança.
O que a escola promete, utilizando expressão cara ao seu marketing, é formar líderes globais. Para isso, reafirma que a unidade de São Paulo não é filial da de Nova York, elas são uma só escola, com campi em diferentes países.
O próximo, a ser inaugurado até o fim de 2019, está em construção em Shenzhen. A cidade foi uma das primeiras na China a passar pela abertura econômica e viu a população subir de 22 mil nos anos 1970 para os atuais cerca de 12,5 milhões, de padrão de vida superior ao nacional.
Outras cidades chinesas estão nos planos como Hong Kong, bem como Londres, Miami, Washington e a região californiana do Vale do Silício. Será então uma escola do mundo —de um mundo que possa pagar sua mensalidade.