Esporte ensina valores muito além do simples fair play
Para surpresa de muitos, mas não de alguns, despontou na prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) da semana passada uma questão relacionada ao Movimento Olímpico.
Digo que não foi surpresa para alguns porque existe um grupo não muito grande de educadores, que são mais do que professores, que já entendeu que a educação física e o esporte são mais do que conteúdos curriculares. Eles são temas transversais que se comunicam com diferentes disciplinas como história, geografia, biologia, química, física. É um tema transversal, acima de tudo, porque aponta para a possibilidade e importância de discutir um elemento tão fundamental nos dias atuais, que são os valores e a ética.
Tema querido da filosofia, a ética está no campo dos valores humanos fundamentais para a vida em sociedade. Se parto do princípio de que não há competição esportiva sem adversário, a apropriação da ética é tão necessária na formação do atleta, e de todos os envolvidos com sua formação e treinamento, quanto a preparação física, técnica e tática.
Houve quem quisesse reduzir a ética esportiva a um preceito denominado fair play. Fundamentado em uma moral muito específica, da Inglaterra do século 19, o fair play foi entendido como “jogo limpo” e declarado universal para atender às demandas da universalização do esporte. Vale lembrar que, nos primórdios do esporte, essa era uma prática restrita a um grupo social específico, que mais excluía do que incluía. E tanto as regras da prática das modalidades como as de conduta dos atletas foram escritas por esse grupo. Porém, não foi preciso muito tempo para questionar o quanto esses valores representavam um grupo específico, na medida em que países de diferentes culturas passaram a jogar sob a mesma regra e ter que se comportar conforme as normas ditadas.
Por isso é bom lembrar que todo valor moral reflete o grupo social em que ele é desenvolvido e aplicado.
No mundo do esporte, o respeito, a amizade e a excelência foram denominados valores olímpicos. Entretanto é possível afirmar que todos eles são, acima de tudo, valores humanos. Não entendo ser possível qualquer processo educacional sem o exercício e a prática desses valores. Na via de mão dupla aprender-ensinar, a tríade respeito, amizade e excelência forma a base para relações que levam a descobertas e construções que movem o mundo.
Certa vez, depois de trabalhar na capacitação de um grupo de professores da Prefeitura de São Paulo, que participariam com seus alunos das olimpíadas estudantis, me vi diante da aplicação desses preceitos. Um dos times era dirigido por um professor que educou seus alunos com base nos valores. Foram para a disputa e, como devia ser, fizeram o seu melhor. Deram um show de respeito e amizade que não caberia no conceito de fair play. Mesmo aplicando tudo o que sabiam, não conseguiram a tão desejada vitória que os colocaria no lugar mais alto do pódio.
Essa seria mais uma cena de um campeonato se um dos garotos campeões, logo após a premiação, não fosse até o professor derrotado e lhe desse a sua medalha. Surpresa para uns, constatação para outros, ali estava a prova de que esporte e valores caminham juntos.
Se o esporte é um campo onde se experimentam diferentes relações sociais, ele pode ser também o campo de experimentação de condutas valorosas e éticas. Ele também ensina que ser adversário não representa ser inimigo.