Estrela do hóquei canadense trabalha como policial em período integral
Com emprego em período integral no departamento de polícia da cidade de Vancouver, Meghan Agosta poderia facilmente ter decidido abandonar o hóquei no gelo ao completar 31 anos, este ano. Em lugar disso, Agosta, estrela entre as atacantes da seleção feminina de hóquei no gelo canadense, continua determinada a jogar sua quinta Olimpíada de Inverno, a de Pequim em 2022.
"Nós dividimos o quarto nos jogos olímpicos e perguntei a ela como estava se sentindo, se aquela seria sua última olimpíada", disse Laura Fortino, defensora que foi escolhida para a seleção do torneio olímpico de Pyeongchang, em fevereiro.
"Ela me olhou bem nos olhos e disse que não estava pronta para parar ainda. Que aquela não seria sua última olimpíada. Eu conheço Gus, e sei o quanto ela é determinada. Sei que ela estará de volta para jogar em Pequim", disse Fortino. Agosta, que tem três medalhas de ouro olímpicas, fez o último arremate na disputa final de desempate contra os Estados Unidos, na Coreia do Sul.
Quando a goleira americana Maddie Rooney impediu que o Canadá convertesse seus cinco arremates, isso pôs fim ao domínio da seleção canadense, que havia vencido quatro medalhas de ouro olímpicas consecutivas, e deu aos Estados Unidos seu primeiro título na modalidade desde que o hóquei no gelo feminino estreou na olimpíada de inverno, em 1998.
A despeito de sua natureza fortemente competitiva, Agosta encarou a derrota com a compostura que é requerida em sua carreira como policial em Vancouver, onde ela enfrenta regularmente situações de vida ou morte. "Sou policial há apenas três anos e meio, mas já vi basicamente de tudo", disse Agosta.
"Dizem que como policial você tem ingressos de primeira fila para o melhor espetáculo da cidade. Depois de atender a certos chamados, você sai sacudindo a cabeça e imaginando se aquilo aconteceu de verdade. Já atendi a chamados envolvendo homicídios, suicídios, disputas domésticas", explica a policial.
"Minha mentalidade e perspectiva de vida mudaram drasticamente depois que me tornei policial. Você começa a realmente apreciar os momentos de que desfruta, especialmente jogando pela seleção canadense", ela diz. Agosta completará um trio de grandes desafios de vida agora em 2018. Em dezembro nascerá sua primeira filha, uma menina.
Ela já ajuda a criar os dois filhos de seu noivo, Jason Robillard, que é sargento da polícia canadense. "Estamos muito felizes por anunciar que vamos começar uma família", disse Agosta. "Com sorte ela seguirá o meu caminho um dia".
É notável que a atleta, nascida em Ruthven, província de Ontário, tenha conseguido chegar à seleção em 2018, e essa avaliação não está relacionada ao seu talento. Ex-capitã da equipe de hóquei no gelo da Universidade Mercyhurst e formada em justiça criminal, com especialização em psicologia criminal, Agosta é recordista em gols (157) e pontos (303) no hóquei no gelo feminino da NCAA (a associação atlética universitária americana).
Ela foi artilheira da Canadian Women's Hockey League pelo Montreal Stars em 2012 e 2013. Mas, desde que Agosta se mudou para a província da Colúmbia Britânica, em 2014, ela não treina ou joga com outras atletas de elite, exceto nas convocações da seleção nacional. O último time profissional feminino da região, o Vancouver Griffins, fechou as portas em 2003.
Agosta encontrou alternativas, como jogar pela equipe da polícia de Vancouver, treinar com uma equipe masculina juvenil formada por atletas de 15 a 17 anos, e fazer condicionamento com um treinador especializado em fundamentos na Universidade da Colúmbia Britânica.
"Ela sempre foi capaz de se manter motivada, e de se concentrar em seus objetivos, mas acho que seu verdadeiro valor se revelou quando decidiu aceitar esse emprego em período integral", disse Fortino. "Ela é uma espécie de ilha, vivendo por sua conta em Vancouver. Não tem escolha a não ser encontrar gelo e treinar, manter sua técnica e se condicionar na academia, tudo por conta própria".
Agosta, que não participou do campeonato mundial da Federação Internacional do Hóquei no Gelo em 2015, na Suécia, porque estava treinando para ser policial, inicialmente se sentia insegura quanto à sua audaciosa escolha de carreira. "Eu comecei na academia de polícia em setembro de 2014", disse.
"E pensei comigo mesma que tinha de informar a federação canadense de hóquei de que precisava de um ano sabático. Era meu maior medo. Mas a federação me apoiou. Disseram que não era como se eu estivesse parando para viajar pelo mundo, e que sabiam que essa era minha escolha de carreira. Fui muito afortunada".
Ela teve de intercalar seu treinamento e seus deveres policiais, com quatro dias de plantão e quatro de folga. Os turnos de trabalho variam e podem chegar a 11 ou 12 horas de duração, muitas vezes atravessando noites. A rotina rivaliza o jet lag que ela às vezes enfrenta nas viagens com a seleção nacional de hóquei.
No momento, por causa da gestação, ela está trabalhando quatro dias por semana, em serviços de escritório na divisão de crimes graves da polícia de Vancouver. "Comer, dormir e me exercitar em horários diferentes é parte do desafio, para mim", disse Agosta. "Eu me inspiro na citação 'improvisar, adaptar, superar'. Tento acreditar nisso, ter a mentalidade positiva de que o processo é difícil, mas ainda tenho muito mais a contribuir".
No limitado tempo de recuperação que tem, os prazeres de Agosta são simples. Ela toma café, assiste a "The Bachelor" e passeia com o cachorro, Rocky, e a família em South Surrey, o bairro em que moram. E de algum jeito tudo funciona. Noora Raty, da Finlândia, eleita como melhor goleira da olimpíada de 2018, é testemunha do talento de Agosta.
"Meghan é uma das jogadoras mais perigosas que já enfrentei, porque tem um QI altíssimo para o hóquei", disse Raty em um email. "Ela é sempre uma ameaça no ataque por causa de sua velocidade, de seu posicionamento diante do disco e de seus arremates rápidos, que a goleira tem dificuldade de prever. Ela é uma jogadora completa, em todos os departamentos, e joga bem nas três zonas do rinque".
Agosta também lidera a equipe no vestiário. Recordando suas experiências antes da Olimpíada de Turim, na Itália, em 2006, ela prega às colegas de time uma atitude que toma por base a gratidão e a garra. "Eu tinha 18 anos, e nossa jogadora mais velha, Danielle Goyette, tinha 40", disse Agosta.
"Eu estava deslumbrada! Dividia um vestiário com as heroínas da minha infância. Mas com dois meses de treinamento, a treinadora Mel Davidson me procurou para dizer que eu estava lá por um motivo, que precisava começar a desempenhar, e que, se isso não acontecesse, iam me cortar. Eu pensei comigo mesma que não tinha coisa a alguma a perder, e foi então que mudei minha forma de jogar".
Agosta, que sempre deu muita importância à rivalidade entre o Canadá e os Estados Unidos, não poderá defender sua seleção no mundial de Espoo, Finlândia, em abril de 2019, porque estará ocupada com a filha. Ela informou às suas colegas de equipe via WhatsApp que ficaria fora do mundial, mas que planejava recuperar a forma para a bateria anual de testes de condicionamento da seleção, em maio de 2019.
Ela manteve seu treinamento em academia nos três últimos meses, mas não entrou no rinque, exceto para comandar sua escola de hóquei em Ontário, no final de agosto. Para uma atleta veterana como Agosta, que escolheu o hóquei de preferência à patinação artística aos seis anos de idade, torneios internacionais ainda representam o ponto alto de seu trabalho.
Os Estados Unidos venceram sete dos últimos oito campeonatos mundiais; a última vitória canadense aconteceu em 2012. "Não importa em que linha você joga, ou em que unidade de power-play", disse Agosta. "Importa estar lá e ser parte do time. Minha perspectiva quanto ao hóquei mudou. Estou vivendo o momento, aproveitando cada oportunidade e desfrutando disso. Muitas meninas em começo de carreira adorariam estar na minha situação".