Estrela Vermelha é um campeão à moda antiga na Champions moderna
As recordações estão em toda parte, imagens de heróis do passado, retratos da glória perdida.
Para a geração atual de jogadores do Crvena Zvezda - o clube que o público internacional conhece como Estrela Vermelha de Belgrado -, não há como escapar delas: nos vestiários do centro de treinamento, no saguão de entrada do estádio que todo mundo na Sérvia chama de Marakana.
Elas servem como lembrete, como prova, como afirmação do que o Estrela Vermelha um dia foi, do que o time um dia fez. Há fotos dos grandes jogadores do clube e de suas maiores vitórias: contra o Barcelona, Real Madrid, Bayern de Munique, todos os aristocratas do futebol europeu.
Algumas fotos mostram o Marakana do passado, que tinha capacidade para mais de 100 mil torcedores, e onde o barulho era tão ensurdecedor que, no túnel antes de entrarem em capo, dizem os jogadores, era possível sentir as paredes de concreto vibrando. E muitas das imagens retratam a maior das realizações do Estrela Vermelha, o troféu que eleva o clube ao mais exclusivo grupo do futebol: o dos campeões da Champions League.
"É uma coisa importante", disse Milos Degenek, zagueiro que jogou pelo Estrela Vermelha e pela seleção australiana, à Omnisport, recentemente. "Você sabe que está chegando a um clube no qual alguns dos maiores futebolistas jogaram, jogadores que tiveram impacto no futebol europeu e mundial, e não só na Sérvia. Você sabe que está chegando a um clube que foi campeão da Europa e campeão do mundo".
Quando o sorteio para a fase de grupos da Champions League deste ano foi realizado, algumas semanas atrás em Monte Carlo, o Estrela Vermelha atraiu pouca atenção. O foco eram outros clubes: o Real Madrid e sua tentativa de conquistar o quarto título consecutivo da Champions League; o Barcelona e seu esforço para deter o maior rival; a primeira temporada de Cristiano Ronaldo na Juventus, e seu retorno a Manchester para jogar contra o United; os jogos do Paris St.-Germain (PSG) contra o Liverpool e o Napoli.
Para muita gente - pelo menos fora da Sérvia -, o Estrela Vermelha era, como os demais clubes do Pote 4, uma espécie de nota de pé de página ou contrapeso; o clube não poderia esperar ser mais que um incômodo para as superpotências que viessem a fazer parte de seu grupo (PSG, Liverpool e Napoli, por fim). Ninguém estava discutindo que impacto o sorteio teria sobre as probabilidades de vitória do clube na competição. Na verdade, chegar às oitavas de final já seria um quase milagre.
Essa é a natureza da moderna Champions League, afinal: tornou-se território exclusivo de um punhado de times, todos os quais integrantes de uma das cinco grandes ligas europeias. Lastimar o fato não é só um exercício de nostalgia fútil. Reclamar que a vitória do Estrela Vermelha - na edição de 1991 - jamais poderá ser repetida significa desconsiderar o que fez da Champions League tamanho sucesso.
É exatamente porque os mesmos poucos times - três da Espanha, um da França e um da Itália, dois da Alemanha e um elenco rotativo de quatro clubes ingleses - chegam às fases decisivas a cada ano que o torneio tem tamanho apelo. A popularidade da Champions League, sua importância crescente, se baseia em que ela seja a única competição na qual os melhores atletas do mundo se enfrentam a cada duas semanas.
E no entanto é apropriado que o Estrela Vermelha esteja no torneio este ano, mesmo que sua visita seja apenas passageira - não só para fazer número, não simplesmente como um obstáculo a ser superado, mas como uma recordação e um lembrete daquilo que foi perdido.
O triunfo do Estrela Vermelha 27 anos atrás pertence a outro mundo. Foi no último ano em que a copa europeia aconteceu em formato de mata-mata em todas as etapas, e no último ano em que ela incluía apenas os campeões das ligas nacionais europeias. Na temporada seguinte, a Uefa introduziu uma fase de grupos pela primeira vez, e na temporada 1992/1993, o nome do torneio foi mudado para Champions League.
Àquela altura, o time talentoso e brilhante que havia ajudado o Estrela Vermelha a conquistar o continente já havia sido desmontado. Buscando santuário tanto quanto satisfação esportiva, seus integrantes se transferiram para a Itália, Espanha e França, em um esforço por fugir da brutal e sangrenta fragmentação da Iugoslávia.
O Estrela Vermelha jamais voltaria a vencer um troféu da Champions League; embora tenha voltado ao torneio para defender seu título em 1992, foi forçado a mandar seus jogos na Bulgária e na Hungria. Só este ano ele se tornou capaz de receber os melhores clubes da Europa, os times que no passado o Estrela Vermelha via como pares, em seu estádio em Belgrado.
A vitória do Estrela Vermelha representou algo de diferente: foi a última vez que um time da Europa Oriental se provou capaz de competir com os gigantes do Ocidente. Só o Dínamo de Kiev, que chegou às semifinais em 1999, esteve perto de vencer a Champions League, depois disso. Em retrospecto, 1991 foi o fim não só para um clube ou um país, mas para meio continente.
Pode ser difícil, quando o hino da Champions League ecoa e os holofotes brilham no céu noturno antes de cada partida, perceber o acontecido como grande perda: o torneio certamente não sofreu, nas duas últimas décadas.
Um título continua a ser o momento mais alto para os jogadores, treinadores, dirigentes e torcedores, a maneira mais garantida de inscrever seu nome na história, quer individualmente, quer como equipe. E o torneio se tornou inexoravelmente mais lucrativo - os prêmios quase dobraram nos últimos anos -, bem como cada vez mais glamouroso.
Mas existe a sensação de que, em algum lugar, em algum momento, algo se perdeu. Pela primeira vez, nesta temporada, a Premier League, La Liga, a Bundesliga e a Série A garantiram cada qual quatro vagas na fase de grupos: metade do total dos clubes do torneio vem de apenas quatro dos 53 países europeus.
A maneira pela qual os prêmios são divididos também mudou, e agora leva em conta o desempenho passado (o que permite que os times que tiveram maior sucesso vençam ainda mais). Gradualmente, propelida pela ameaça permanente de uma secessão que criaria uma superliga, a Uefa está cedendo à pressão dos clubes mais ricos e famosos da Europa. É por isso que os jogos serão disputados em dois horários, às terças e quartas-feiras - mais cobertura televisiva significa mais espaço publicitário.
A Uefa revelou no começo do mês que planeja introduzir uma terceira competição europeia em 2021 - ou, mais precisamente, reintroduzi-la, já que abandonou a Copa dos Campeões de Copas em 1999. Muitas das ligas menos importantes do futebol europeu acreditam que o resultado mais provável do processo venha a ser menos chances para que os clubes de ligas menores recebam atenção, com o enxugamento da Champions League e da Europa League para que mais clubes das competições de elite possam participar.
Nesse sentido, a participação do Estrela Vermelha na Champions League importa mais do que apenas para o orgulho do clube: ela é um eco de como as coisas um dia foram, uma mensagem de que houve época em que o desnível entre os times não era tão grande, em que times de todo o continente podiam competir. É um lembrete de que a história não começou em 1992, e que os gigantes da Inglaterra, Espanha e Itália não têm monopólio sobre a grandeza, ou sobre as recordações gloriosas.
Marko Djordjevic, 30, estava em Salzburg, na Áustria no mês passado, quando o Estrela Vermelha confirmou seu retorno à Champions League. Ele também planeja viajar a Nápoles para o único jogo fora de casa ao qual o Estrela Vermelha estará autorizado a levar torcedores, já que o clube sofreu uma punição por invasão de gramado, em seu percurso rumo à Champions.
"É importante para nós", disse Djordjevic. "Precisamos mostrar à Europa que estamos de volta, que finalmente voltamos ao lugar que nos pertence".
Mas essa não é a competição que o Estrela Vermelha venceu tantos anos atrás. Ela mudou quase completamente, e foi reformulada e ajustada de maneira a que clubes como ele não fizessem mais parte dela. E é por isso que o fato de que o Estrela Vermelha tenha chegado importa, e é por isso que importa ouvir de novo o seu nome ao lado dos nomes dos gigantes, como um lembrete das glórias do passado.