Estudantes de Sobral, berço de Ciro, relatam pressão para fraudar provas
"Lembro bem que da minha turma chamaram eu e mais colegas que estavam entre os mais inteligentes e nós fizemos no lugar de outros alunos. Neste dia, disseram que o meu nome era Maria Clara."
Quem fala é Teresa (nome fictício), de 14 anos, aluna da escola municipal Maria do Carmo Andrade em Sobral (a 231 km de Fortaleza). Ela era estudante do oitavo ano em 2017, mas diz ter feito uma prova no lugar de outra aluna do sexto ano.
Na cidade com melhor desempenho do país no ensino fundamental e alardeada pelo presidenciável Ciro Gomes (PDT) como referência na educação, estudantes ouvidos pela Folha relatam pressões e dizem terem sido incentivados por professores a fraudar avaliações em nome de um resultado coletivo de suas respectivas escolas.
Em três dias, a Folha conversou com estudantes nas escolas da rede municipal de Sobral, berço político de Ciro —o atual prefeito é Ivo, irmão do presidenciável.
Nove alunos e cinco ex-alunos afirmaram ter se envolvido em algum tipo de fraude em provas por orientação dos professores. Os depoimentos dos 14 estudantes foram colhidos na presença de suas mães.
Sete alunos dizem ter substituído outros alunos de baixo desempenho. Quatro dizem terem sido incentivados a tentar trocar de provas com os colegas. Três dizem ter praticado os dois tipos de fraude.
Apesar dos depoimentos, o secretário de Educação de Sobral, Hebert Lima, diz que os relatos não têm qualquer fundamento e podem ser motivados por questões eleitorais.
Os relatos apontam que as tentativas de fraude acontecem principalmente nas avaliações externas aplicadas pelo município. As provas são realizadas semestralmente e funcionam como uma espécie de monitoramento do desempenho dos alunos.
Os resultados desta prova balizam as gratificações financeiras que serão pagas pela prefeitura aos professores e coordenadores das escolas.
Também houve relatos pontuais de fraudes incentivadas por professores em provas da Spaece, avaliação externa feita pelo governo do Ceará, e do Saeb, avaliação do Ministério da Educação que resulta no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
Os depoimentos seguem um padrão semelhante e foram dados por alunos e ex-alunos das escolas Maria do Carmo Andrade, Raul Monte, Antonio Custódio de Azevedo e Caic.
Segundo os relatos, os professores pediam que os alunos chegassem para as provas externas antes do horário pré-determinado e orientavam os estudantes a distrair os fiscais externos e trocar as avaliações. Prometiam brindes e pontos extras em suas disciplinas.
"Os professores colocavam na nossa cabeça que esta era uma forma de ajudarmos nossos amigos. A gente não sentia culpa ou tinha consciência de que aquilo [a fraude] geraria um resultado falso. O importante era ajudar a minha escola a ser a melhor", afirma Merlany de Souza Costa, 19, ex-aluna da escola Raul Monte.
Casos semelhantes estão sendo investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público do Estado do Ceará.
Especialistas em educação relativizam o impacto de possíveis fraudes no desempenho das escolas Sobral nas avaliações externas.
Para Ilona Becskeházy, que fez sua tese de doutorado sobre a educação de Sobral, a rede municipal da cidade possui resultados equânimes nas provas municipal, estadual e federal: "Posso dizer que só resultados refletem o que eu vi nas salas de aula", diz.
No ano passado, o Ideb de Sobral teve nota 9,1 para os anos iniciais (frente a média de 5,5 nas escolas públicas do país) e nota 7,2 nos anos finais (4,4 no país). Os resultados fizeram com que a cidade alcançasse a maior nota entre todas as cidades brasileiras.
Para atingir esses resultados, contudo, os alunos dizem ter uma rotina de estudos voltada para as avaliações —pelo menos oito alunos disseram ter ficado semanas ou até meses tendo aulas apenas de português e matemática, disciplinas cobradas nas provas externas.
As escolas também praticamente não têm reprovação, reforçando um dos indicadores que resulta na média do Ideb. Dois ex-professores da rede municipal, que pediram para não serem identificados, dizem que há uma política de aprovação automática dos estudantes.
Os pais dos alunos criticam a metodologia focada nas avaliações externas: "Eles são forçados a estudar, não estudam porque têm prazer", diz Joanita Silva, 36, mãe de uma aluna e uma ex-aluna da rede municipal.
OUTRO LADO
O secretário de Educação de Sobral, Hebert Lima, afirma não ser razoável que qualquer evento externo pontual, como tentativas de fraudes, influencie os resultados de uma rede que tem 117 escolas e 33 mil alunos.
"Temos uma política educacional que está longe de ser perfeita, mas que conseguiu galgar seu espaço, especialmente considerando as condições econômicas do estado. Sobral é uma referência para o Ceará e para o Brasil", diz.
Em nota, o Inep, órgão do Ministério da Educação responsável pela aplicação das provas da Saeb, informou que prima pela segurança dos processos de aplicação das provas e nunca recebeu qualquer reclamação nem qualquer relato de irregularidade em Sobral. Informa ainda que produz 21 tipos diferentes de cadernos de prova, evitando a possibilidade de ajuda mútua entre os alunos.
A Secretaria da Educação do Estado do Ceará informou que assegura que os resultados alcançados pelos estudantes de Sobral nas provas da Spaece são fidedignos e retratam efetivamente o desempenho escolar da sua rede pública. Também destaca que nunca recebeu qualquer denúncia formal sobre avaliações em Sobral.