Ex-doméstica, Bebel chega à Assembleia de SP após se perpetuar em sindicato dos professores

Uma conversa em 2016 com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi decisiva para que Maria Izabel Azevedo Noronha (PT) definisse seu futuro político.

Depois de quatro mandatos à frente do sindicato dos professores do estado de São Paulo (Apeoesp), Bebel, como é conhecida, considerava então sair candidata à Prefeitura de Águas de São Pedro.

Ela passou boa parte da juventude e da vida adulta na cidade com pouco mais de 3.000 habitantes, uma das menores do interior paulista. Atualmente passa a maior parte do tempo em São Paulo.

Lula não se conformava com a chance de Bebel trocar uma entidade do tamanho da Apeoesp pela administração de Águas de São Pedro. Um dos maiores do país, o sindicato tem cerca de 184 mil filiados.

“Se você ganhar [a eleição para a prefeitura], ganha pouco. Se perder, perde muito”, disse o ex-presidente, que sugeriu a ela que se candidatasse a deputada federal.

Bebel deixou de lado o plano de ser prefeita. Decidiu disputar uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo e foi eleita em outubro, com 87 mil votos distribuídos por mais de 400 municípios. Entre os candidatos do PT, ela recebeu a segunda maior votação —só perdeu para Barba, também sindicalista.    

Além de amigo, Lula é o grande mentor político de Bebel. Em sua foto no WhatsApp, a deputada estadual de 58 anos aparece ao lado do ex-presidente, com a cabeça apoiada no ombro dele. “Abomino o que está acontecendo com o Lula [preso em Curitiba]. A presunção da inocência foi jogada fora.”

Em um ponto, porém, a aluna superou o mestre: a longevidade à frente de uma entidade sindical poderosa.

Lula comandou o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC por duas gestões, de 1975 a 1981. Bebel está no quinto mandato à frente da Apeoesp. Foi eleita pela primeira vez em 1999. Após deixar o cargo, assumiu outras funções até ser reeleita presidente em 2008, depois 2011, 2014 e 2017. Ao todo, são quase 14 anos nessa função.

Derrotado por Bebel nessa última disputa, Moacyr Américo da Silva (PSOL) integra a diretoria do sindicato devido ao modelo eleitoral baseado na proporcionalidade. Para ele, é indiscutível que ela chegou ao poder pela via democrática, mas ressalva: “Não é bom para o sindicato que um membro ocupe por tanto tempo o mesmo cargo, especialmente a presidência”.

Bebel retruca, ao lembrar que sua aprovação sempre se deu em duas etapas. Afirma que foi escolhida todas as vezes por unanimidade dentro da sua corrente no sindicato. E diz que sempre foi eleita com mais de 50% dos votos dos professores de São Paulo.

Entre os trunfos à frente da entidade, Bebel cita a greve de 2000, durante o governo Mário Covas (PSDB), que resultou em reajuste salarial. Também aponta o movimento de resistência à avaliação de desempenho dos professores, implantada em 2008 no governo José Serra (PSDB). A pressão da Apeoesp pesou para o cancelamento da medida.

Ela também indica a abertura de concurso público por decisão do governador Geraldo Alckmin (PSDB), em 2013, depois da paralisação promovida pelo sindicato. O concurso previa 59 mil novas vagas, mas, segundo Bebel, 15 mil ainda não foram preenchidas.

Para a oposição dentro do sindicato, havia margem para avanços maiores. “Defendemos atuação mais dura, mais contundente, enquanto o grupo petista trabalha com a conciliação. Se tivesse havido maior enfrentamento, a greve de 2015 poderia ter sido mais curta [durou três meses], com resultados melhores”, diz Américo da Silva, do PSOL.

O vínculo de Bebel com o PT, ao qual se filiou em 1989, também tem sido criticado —nesse caso, os ataques partem do PSDB. Em 2010, ela foi acusada de liderar greve com motivação partidária, visando o enfraquecimento dos tucanos.

Durante ato em março daquele ano em frente ao Palácio dos Bandeirantes, disse em discurso: “Estamos aqui para quebrar a espinha dorsal desse partido e desse governador [José Serra].”

Segundo Bebel, “todos temos um lado. O que não posso é confundir meu lado com o que vou encaminhar no sindicato. Não posso querer coisas só para quem é do PT.”

Ela se lembra de ter feito aquele discurso depois que os professores em greve tinham sido alvo de balas de borracha atiradas por policiais. Alguns deles ficaram feridos. “Fiquei indignada. Com sangue frio, talvez eu tivesse falado de outro jeito”, diz. “Ao ser atacada daquela forma, eu ataquei de volta.”

Ao longo de mais de uma hora de entrevista à Folha, Bebel manteve a serenidade. Expressou enorme incômodo com o projeto Escola sem Partido, mas não alterou o tom de voz ao comentar a proposta para a educação defendida pelo PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

Se aprovado, diz ela, o projeto levaria “à perseguição aos professores, ao assédio moral". O que mais me incomoda é dizerem que a gente doutrina os alunos, não é verdade. Trabalhamos com pluralidade de ideias”.

Uma de suas prioridades na Assembleia é aprovar um projeto de lei que deve se chamar Escola Cidadã ou Escola Democrática, uma proposta que sirva como contraponto à bandeira dos bolsonaristas.

Adversária histórica do PSDB, Bebel observa um rearranjo no campo dos rivais do PT, uma constatação que deve guiar algumas das suas condutas na Casa. Para a parlamentar, ruim com o PSDB, pior com o PSL. “Não concordo com a postura do PSL, é um partido da moda.”

Embora passe a acumular as atividades de deputada estadual e sindicalista, Bebel quer acompanhar com atenção o crescimento da filha adotiva, Manoela, de nove anos.

Para cuidar da menina, Bebel conta com a ajuda da sua mãe, Maria Rocha Noronha, 76, dona de uma pequena pousada em Águas de São Pedro.

Analfabeta, Maria sempre insistiu para que a filha levasse os estudos adiante, mesmo quando Bebel trabalhava como empregada doméstica. “Minha mãe sempre fala que o analfabetismo é uma cegueira”, diz a deputada, que se formou como professora de português do ensino médio.

Nessa época, aos 19 anos, Bebel estudava pela manhã e trabalhava como doméstica nos períodos da tarde e da noite, até por volta de 22h. Num dia em abril de 1980, seu patrão foi até ela com um exemplar de um jornal que trazia a foto de Lula na primeira página --o veículo noticiava a prisão do sindicalista após 17 dias de greve no ABC. 

Enquanto Bebel fritava um bife, o patrão pediu a ela que deixasse o jornal com a imagem de Lula no chão para que fosse pisado. Depois que o homem deixou a cozinha, ela pegou o exemplar, dobrou e guardou na bolsa. Leu a reportagem assim que voltou para casa, à noite. Desde então, ela segue ao lado de Lula.        

Perfil

Idade 58 anos

Nascimento Piracicaba (SP)

Partido PT

Estado civil Solteira

Cor/raça Branca

Grau de instrução Superior completo

Ocupação Professora do ensino fundamental

Reeleição Não

Descrição dos bens declarados do parlamentar Casas, apartamentos e aplicação de renda fixa

Valor declarado dos bens  R$ 490.836,01

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