Ex-Rota se consolida na Assembleia com autoimagem de herói e currículo duvidoso

​O coronel Paulo Adriano Telhada (PP), 57, deputado estadual eleito para seu segundo mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo, cultiva uma autoimagem de herói.

Com a justificativa de atender os fãs, já lançou até uma revista em quadrinhos na qual figura como personagem principal e mostra seu trabalho à frente da Rota (tropa de elite da Polícia Militar) no combate aos criminosos.

Mas dentro da corporação pairam dúvidas sobre a consistência do personagem e os principais episódios que ajudaram a alavancar sua carreira política. Telhada trabalhou na PM por mais de 30 anos, acumulou punições, mais de 30 mortes e quase foi expulso.

“Não me envergonho, não”, afirma. “Minhas punições são todas [parte do meu] currículo. Porque todas foram por estar trabalhando. Nenhum por fazer coisa errada, estar achacando, má conduta”, diz Telhada, que sempre repete não ter matado “nenhum santo”.

“Para cada pessoa que, infelizmente, fui obrigado a matar em uma ocorrência, quantas nós salvamos? Não sei. Se Deus me deu essa missão, eu vou cumprir”, afirma ele, que é evangélico ligado à igreja Congregação Cristã no Brasil.

Na política, como precursor de uma nova geração da chamada bancada da bala, Telhada conseguiu votações expressivas para vereador e deputado estadual —e agora namora até a possibilidade de se tornar prefeito da capital paulista.

O oficial da reserva se lançou às urnas pela primeira vez em 2012, pelo PSDB, pouco após sair do comando da Rota.

Com 89.053 votos, quinto mais votado entre os eleitos para a Câmara Municipal, foi catapultado pelo partido dois anos depois para disputar uma vaga de deputado estadual: conseguiu 254.074 votos, quase o triplo do efetivo inteiro da PM de São Paulo.

Em quatro anos como deputado, Telhada fez 2.477 proposições, incluindo projetos, indicações e pedidos de CPI. Teve 21 projetos aprovados —dez deles como autor único.

Mas gastou boa parte de sua energia com temas de menor relevância: mais de 80% de suas proposições foram para congratular aniversários de municípios, e mais da metade dos projetos que conseguiu aprovar como autor único foram para instituir datas comemorativas, como dia do Moto Clube e “Anime Friends”.

“Faço isso todo dia [gratular municípios]. O pessoal do interior acompanha. Retorna com ofício agradecendo: ‘Ô, coronel, obrigado”, explica.

Dentre os assuntos de maior relevância para a segurança pública, Telhada viabilizou, ao lado de colegas, a lei que prevê assistência jurídica a policiais e a lei do pancadão —que prevê sanções para veículos com som alto.

Nenhuma das propostas provocou mais repercussão, porém, do que quando Telhada foi indicado pelo PSDB para a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia. Entidades ligadas ao tema e até parlamentar tucano se manifestaram contrários à indicação.

“Foi uma aberração. Deveriam ter criado para ele uma comissão de diretos desumanos”, afirma Julio Cesar Fernandes Neves, ex-ouvidor da polícia paulista. “Não existe humanidade nenhuma nele, além de ele se vangloriar de ter matado pessoas”, diz o ex-ouvidor. “Esses dois anos lá foram maravilhosos. O que eu brigava com PT e PSOL. Foi legal, aprendi muito”, diz Telhada.

Em 2014, ele chegou a defender a separação do Sul e do Sudeste do restante do país, após Norte e Nordeste impulsionarem a vitória eleitoral de Dilma Rousseff (PT). Agora, afirma ter se arrependido.

Telhada acabou se desligando do PSDB. “Como governador, Geraldo Alckmin deixou muito a desejar. Em 2017, veio a público colocar na PM a culpa pelo rombo da previdência de SP. Foi a gota d’água”, diz.

Candidato em 2018 pelo PP de Paulo Maluf, perdeu parte de seu eleitorado, apesar da onda conservadora que alavancou discursos como os dele e que elegeu Jair Bolsonaro (PSL), com quem mantém boa relação e já trocou muitas mensagens de WhatsApp.

No pleito de 2014, aliás, Telhada fez dobradinha eleitoral com Eduardo Bolsonaro, deputado federal filho do atual presidente da República.

O [Jair] Bolsonaro chegou a ir até em festa minha de aniversário. Ele é um cara que eu gosto. Posso dizer que ele é meu amigo? Posso dizer. Até tempos atrás a gente trocava WhatsApp, mas não consigo falar com ele desde que foi eleito [presidente]”, afirma.

Integrantes da cúpula da PM de SP veem semelhanças no perfil de Bolsonaro e do coronel Telhada, incluindo os problemas de insubordinação enquanto estavam na ativa.

Telhada teve pelo menos 11 punições como policial —por exemplo, por desrespeitar superiores hierárquicos, “cantar” pneu de viatura e utilizar computador da corporação para escrever um livro particular no horário de trabalho.

Em 2004, chegou a ser submetido a um conselho de justificação (processo demissório) por ter realizado bico ilegal no horário de folga, sendo ele, segundo relatório, “reincidente e contumaz transgressor na prática de atividade de segurança particular”.

Isso aconteceu meses depois de Gugu Liberato apresentar na TV uma falsa entrevista com supostos integrantes do PCC. Telhada teve sua participação no episódio investigada pela Corregedoria porque foi por cerca de 12 anos chefe da equipe de segurança do apresentador de TV.

O policial já havia sido punido duas vezes por fazer bicos de segurança, inclusive para Gugu e, pela apuração, configurava a terceira vez. Mesmo admitindo a nova infração em depoimento à Corregedoria da PM, Telhada conseguiu escapar da expulsão ao mudar sua versão no processo.

Até voltar ao comando da Rota, em 2009, Telhada viveu por mais de uma década no ostracismo na PM. Ficou esquecido (e perseguido) desde os anos 1990 após conseguir certa fama com ações policiais de repercussão, parte delas com mortes de suspeitos.

Foi transferido 28 vezes.

O resgate dele na corporação se deu pelas mãos de Antônio Ferreira Pinto, que, em março de 2009, assumiu a Secretaria da Segurança Pública e decidiu transformar a Rota no principal instrumento estatal de combate ao PCC.

Ele escolheu Telhada para assumir a tropa, por recomendações de oficiais, a despeito de preocupações manifestadas pelo comandante-geral da época, Álvaro Camilo.

“Eu disse que a indicação era minha e que eu apostava no trabalho dele”, disse Ferreira Pinto, que caiu do posto em 2012, após a alta da taxa de homicídios naquele ano, resultado da guerra não declarada entre policiais militares e integrantes do PCC.

Serviços de inteligência da própria PM associam algumas ações letais da Rota (e supostas extorsões a criminosos) ao estopim dessa guerra, que levou à morte de quase uma centena de policiais.

Quando ocorreu a queda do secretário da Segurança, porém, Telhada já era vereador eleito, levado ao PSDB pelo mesmo Ferreira Pinto. “Um dos acertos da minha gestão foi a indicação dele ao comando da Rota, sem dúvida nenhuma”, afirma ele.

Parte dos quase 90 mil votos foi graças aos últimos anos de Telhada na Rota, quando ganhou projeção devido ao discurso de guerra contra membros do PCC, que fez dele alvo de atentados criminosos.

Uma das supostas represálias ocorreu em 31 de julho de 2010: segundo aquela versão, um criminoso atirou de pistola 11 vezes contra Telhada, que manobrava um veículo na garagem de casa.

No dia seguinte, novo episódio de repercussão: um criminoso foi morto em um suposto ataque ao quartel da Rota com um coquetel molotov (apagado) e uma pistola, com a qual teria atirado contra uma parede e uma janela.

Mas um relatório de inteligência da Polícia Civil da época, ao qual a Folha teve acesso, apontava a possibilidade de fraude em ambas as versões.

“Eu ouvi isso dentro da polícia, que foi eu quem montei [esse atentado à própria casa] para aparecer. Eu ouvi isso de policiais militares. Isso me magoa profundamente e me deixar de saco cheio”, afirmou. “Eu tinha certeza de que iria morrer aquele dia.”

Em relação ao atentado ao prédio da Rota, a Polícia Civil concluiu ter havido simulação de policiais, que teriam matado uma pessoa por motivos desconhecidos e montado a farsa para tentar se livrar de punições. Dois PMs devem ir a júri popular pela acusação.

Telhada afirma acreditar na inocência desses policiais. Mas, no atual momento, volta suas atenções para a política —e sua eventual candidatura à Prefeitura de São Paulo.

“Se o partido achar que sou a pessoa indicada para essa campanha, vou pesar uma série de circunstâncias, fazer uma consulta popular e buscar a palavra na igreja”, afirma Telhada, com discurso mais de político do que de policial.

“Apesar de não ser um político nato, acabei gostando de fazer política”, diz. “Eu me surpreendi. O tanto de gente boa, interessada. Tranqueira também tem, mas isso já sabíamos que teria”, afirma.

Perfil

Idade 57 anos

Nascimento São Paulo (SP)

Partido PP (coligação PSDB/PSD/DEM/PP/PRB)

Estado civil Casado

Cor/raça Branca

Grau de instrução Superior completo

Ocupação Deputado

Reeleição Sim

Descrição dos bens declarados do parlamentar Veículos, casa, apartamentos, depósitos bancários em contas no país, aplicação de renda fixa, dinheiro em espécie e consórcio

Valor declarado dos bens  R$ 3.429.483,50

Valor declarado em 2014 R$ 2.045.948,25

Colaborou Daniel Mariani

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