Executivo do SBT prevê que modelo da Globo está fadado ao fracasso
Passou batido, sem maior repercussão pública, um texto importante, publicado nesta Folha no último dia 14. Assinado por Guilherme Stoliar, presidente do Grupo Silvio Santos, ele faz uma análise de conjuntura sobre o mercado de TV aberta no Brasil e arrisca algumas previsões sobre o futuro próximo.
Stoliar centra a sua reflexão sobre as cinco principais emissoras comerciais, dividindo-as em dois modelos. Em um está, sozinha, a Globo, que ele chama de “Cirque du Soleil”. O outro, apelidado pelo executivo de “Circo Garcia”, é formado por SBT, Record, Band e RedeTV!.
“Esses modelos são a caricatura de como são produzidos e exibidos os conteúdos desses canais. E penso que ninguém tem dúvidas a respeito!”, escreve.
Na visão de Stoliar, esses dois modelos conviveram sem maiores problemas até 2014. Nos
últimos três anos, porém, a queda de suas receitas superou 30%, escreve. “Uma parte foi perdida para a crise e outra, para os meios digitais, internet.”
“Hoje, todas as emissoras abertas perderam 30% da receita e não conseguiram reduzir custos e despesas nessa proporção”, prossegue.
No modelo de “pão e circo” imaginado por Stoliar, o governo precisa dar a sua parcela de ajuda, o que ainda não aconteceu, lamenta o profissional. “Começamos o ano e a receita ainda está menor do que em 2018, especialmente pela falta das verbas de governo.”
Recado dado.
A previsão do executivo, ainda que não explique como chegou a ela, é que “o público da TV aberta ficará restrito às pessoas com renda familiar de até R$ 3.000”. E lembra: “Esse grupo é representado por 70% da população, mas seu poder aquisitivo é pequeno”.
Como outros dirigentes de TV, Stoliar lamenta que os anunciantes tenham fixação na Globo e não enxerguem que alcançariam um público equivalente, gastando menos, se distribuíssem melhor as suas verbas publicitárias. Na sua opinião, isso ocorre por preconceito, mas ele diz ter fé de que a situação vai mudar.
O executivo acredita que, para reduzir custos, a Globo precisa ser mais “Circo Garcia” e menos “Cirque du Soleil”, mas a emissora “não tem cultura e preparo” para isso.
Por essa razão, Stoliar enxerga que as concorrentes têm uma vantagem: “A Globo para ser o ‘Garcia’ e, se conseguir ser, terá sua receita dividida com as outras. E as demais emissoras, por força das necessidades, já estão ajustadas”.
Por fim, ele prevê: “Se os donos do ‘Circo Garcia’ conseguirem sobreviver por mais algum tempo, vão
poder assistir a esse filme em no máximo cinco anos”.
A análise de Stoliar tem muito de “wishful thinking”, do que ele deseja que aconteça, e nenhuma autocrítica, mas merece atenção pelo quadro que traça do presente.
Em particular, está claro que a Globo enxerga uma fuga do espectador de maior poder econômico em direção a outras plataformas (TV paga, streaming) e está agindo para se adaptar e não perder terreno nesse novo quadro. O pesado investimento recente em seu serviço de streaming fala por si sobre esse assunto.
Outro sinal, na minha visão, eloquente dessa adaptação da Globo aos novos tempos é o
rebaixamento da ambição de sua área de teledramaturgia. Mais simples, didáticas e previsíveis, as novelas da emissora estão, de fato, cada vez mais com cara de “Circo Garcia”.
Falta no texto de Stoliar, contudo, alguma reflexão sobre as razões que levaram os executivos de televisão, nas últimas décadas, a se colocarem passivamente no papel de administradores de “Circos Garcia”, sem preocupação com as muitas missões que cabem às concessões públicas que receberam ou compraram.