Existe uma tendência ao obscurantismo por parte do Judiciário, diz Bretas
Responsável pelo braço da Operação Lava Jato no Rio, o juiz Marcelo Bretas fez nesta quinta-feira (25) críticas veladas a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e defendeu a liberdade de imprensa ao dizer que hoje há uma "tendência ao obscurantismo" por parte de integrantes do Poder Judiciário.
Durante palestra na Universidade Columbia, em Nova York, o juiz afirmou que é preciso garantir o trabalho dos jornalistas e que "fechar as cortinas" não lhe parece um bom remédio quando o assunto é acesso a processos ou informações que envolvem o Judiciário.
"Existe uma tendência ao obscurantismo por parte de alguns operadores do Direito que sustentam que a imprensa não deve ter acesso a tudo, não deve divulgar, não deve ter liberdade para acessar decisões", afirmou.
"É preciso garantir liberdade da imprensa, seja aquilo que legalmente pode ser noticiado, porque uma sociedade democrática não sobrevive sem acesso público ao que está acontecendo com a coisa pública. Infelizmente no Brasil hoje existe uma tendência de se obscurecer, de fechar as cortinas, o que me parece que não é um bom remédio".
A declaração do juiz —que já protagonizou embates públicos com ministros do STF— acontece no momento em que a corte é foco de uma crise cujo epicentro está no inquérito das fake news, instaurado pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, para investigar críticos a integrantes da corte.
Na semana passada, o relator do caso, ministro Alexandre de Moares, chegou a determinar a retirada do ar de uma reportagem contra Toffoli —depois recuou— nos sites O Antagonista e Crusoé. A medida foi criticada dentro e fora do Supremo, classificada por especialistas como censura.
O juiz do Rio também aproveitou palestra de quase quarenta minutos para direcionar ataques ao ministro Gilmar Mendes, porém sem citá-lo nominalmente, e criticar São Paulo como um estado em que, segundo sua avaliação, as investigações da Lava Jato não avançam. O juiz estava sentado à mesma mesa que Gianpaolo Smanio, procurador do Ministério Público de São Paulo, que falaria logo depois.
"Se quisermos continuar investindo no combate à corrupção e levar isso a um grau ainda superior, precisamos, ao contrário do que tem sido feito em algumas áreas da Justiça, como por exemplo São Paulo, acho que devemos centralizar os casos, acho que a ideia é criar forças tarefas e centralizar os julgamentos para não se perder experiência".
Para Bretas, a Justiça Federal tem "inimigos poderosíssimos" e é preciso "não se acovardar" num ambiente em que, nas suas palavras, "os cães ladram e a caravana segue".
"Sou muito entusiasta do trabalho que a Justiça vem fazendo. Temos inimigos poderosíssimos, alguns aos quais devo respeito ou, pelo menos, obediência, com relação às decisões. Às decisões, né, porque entrevista em jornal e palestra é outra coisa. Mas tenho a impressão de que estamos no caminho certo, temos visto os cães ladrarem e a caravana segue".
Bretas e Gilmar já protagonizaram diversos embates públicos. O ministro do STF foi responsável por conceder diversos habeas corpus que libertaram presos por operações comandadas pelo juiz no Rio e já acusou Bretas, inclusive, de abuso de autoridade por demorar para soltar um deles —o empresário Felipe Picciani, filho do presidente afastado da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani.
Responsável por decretar a prisão do ex-presidente Michel Temer —revertida quatro dias depois por decisão do desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região— Bretas é criticado por sua relação com políticos e também por se manifestar fora dos autos.
O juiz discursou após fala do ministro do STF Luís Roberto Barroso, que afirmou que a corte está sob ataques e vivendo um momento de descrédito justamente porque a sociedade tem olhado para ela como um obstáculo ao combate à corrupção no país.
Está no DNA da PF proibir interferência em investigação, diz diretor-geral
Também durante palestra na Universidade Columbia, o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, afirmou que está no DNA da instituição não interferir em investigações que estão em andamento, mas que não teme nenhum recuo no combate à corrupção no país.
"Está no DNA da PF proibir qualquer tipo de interferência. Não existe espaço para que eu possa interferir em qualquer investigação. Não existe espaço para que eu possa interferir."
Segundo ele, as instituições hoje funcionam para combater a corrupção e que isso está consolidado no Brasil.
"Não temo recuo. Posso falar com muita tranquilidade que as outras instituições estão funcionando para enfrentar a corrupção".
Ex-superintendente da PF do Paraná e próximo do ministro Sergio Moro (Justiça), Valeixo não quis comentar a decisão da PF de tentar interferir na entrevista que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concederá à Folha e ao jornal El País nesta sexta (26).
Nesta quinta, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski decidiu proibir a presença de jornalistas que não sejam dos dois veículos na entrevista.
Ao organizar o encontro com Lula, o superintendente da PF no Paraná, Luciano Flores Lima, havia decidido autorizar a presença na entrevista de jornalistas de outros veículos, citando a necessidade de respeitar "direitos constitucionais relativos ao livre exercício da profissão e liberdade de imprensa".
Lima havia argumentado em ofício também que precisava dar "publicidade de atos administrativos que não estiverem sob necessidade de sigilo".
A Folha e El País conseguiram no STF o direito de promover a entrevista, que havia sido barrada no ano passado pela juíza federal de primeira instância Carolina Lebbos, responsável por administrar o dia a dia da pena do ex-presidente.