Explosão de caixas eletrônicos vira rotina no Brasil e desafia bancos
Mais de duas dúzias de homens altamente armados invadiram o centro da cidade paulista de Guararema numa madrugada do início deste mês, despertando os moradores com o som de explosões e tiros.
Com fuzis de alta potência, coletes a prova de balas e vários quilos de dinamite, a quadrilha parou em frente à principal delegacia da cidade. Em seguida, instalou-se em uma agência bancária vizinha do Banco do Brasil, quebrando janelas e portas com barras de ferro.
Em um ataque coordenado às 3 horas da manhã, outros membros de gangues atacaram uma filial do Santander Brasil, a duas quadras de distância. Eles explodiram os dois bancos com dinamites em uma tentativa de pegar o dinheiro de caixas eletrônicos e cofres.
Tais ataques se tornaram comuns no Brasil: no ano passado, uma média de dois bancos ou caixas eletrônicos foram explodidos por dia, principalmente em pequenas cidades sem grande presença policial. Os ataques são responsáveis também pelo fechamento de agências em pequenos municípios, obrigando moradores a se deslocarem por longas distâncias para sacar dinheiro.
Cada caixa eletrônico costuma ter quatro caixas que armazenam até 2.700 notas cada uma, o que significa que um caixa eletrônico recheado com notas de R$ 100 pode render até R$ 1 milhão. Ladrões de banco munidos de dinamite —trabalhando rapidamente— muitas vezes explodem vários caixas eletrônicos em cada banco ou vão diretamente para seus cofres centrais.
Para combater os ataques, os bancos brasileiros têm investido em tecnologia antirroubo, indo de caixas eletrônicos super equipados a câmeras de reconhecimento facial. Quando tudo isso falha ou os custos se tornam proibitivos, os bancos fecham as agências. O resultado é que algumas cidades não têm mais fácil acesso a serviços financeiros em um país que já possui uma proporção maior de cidadãos não-bancarizados do que a China ou a Índia.
"O crime busca oportunidades", disse Rafael Alcadipani da Silveira, especialista em segurança pública da Fundação Getulio Vargas. "No Brasil, o crime organizado é muito forte, a segurança nas pequenas cidades é fraca e os ataques aos bancos viram um crime fácil de se cometer."
No ataque aos bancos em Guararema, a polícia perseguiu a quadrilha até uma estrada próxima, onde os dois lados trocaram tiros. A polícia informou que 11 membros de gangues foram mortos na ação que impediu os bandidos de roubarem o dinheiro.
SEM SERVIÇOS BANCÁRIOS
Os bancos brasileiros, que gastam US$ 2,3 bilhões em segurança a cada ano, ou cerca de 12% das despesas dos cinco maiores bancos de varejo do país sem contar salários, avançaram contra as quadrilhas.
Os ataques a bancos com dinamite caíram 20% no ano passado em relação a 2017, para 758, de acordo com reportagens e registros policiais compilados por uma associação de trabalhadores de segurança privada, conhecida como Contrasp. A contagem, que tem diminuído constantemente desde 2014, não captura a escala de ataques como o de Guararema.
Enquanto os criminosos antes explodiam caixas automáticos instalados individualmente nas ruas, os bancos agora transferiam suas máquinas para agências bancárias. Agora, os assaltantes explodem de uma só vez diversos caixas eletrônicos dentro de uma agência, o que aparece nas estatísticas como apenas um único ataque.
A mudança de tática ilustra como as quadrilhas estão se ajustando ao contra-ataque de segurança dos bancos, alertou Leandro Vilaim, diretor de negócios e operações da federação nacional de bancos, Febraban.
"Não há bala de prata", disse ele. "Essas medidas são de curta duração porque os ataques estão sempre mudando na natureza. Quando os bancos apertam os bandidos de um lado, eles encontram uma nova saída de outro."
Caixas eletrônicos vendidos no Brasil, ao preço de até R$ 150 mil cada, custam aproximadamente o dobro dos Estados Unidos.
Isso reflete o preço de tecnologias mais resistentes a ataques, incluindo cofres resistentes a explosões, tinta que mancha cédulas quando máquinas de dinheiro são dinamitadas e uma média de dez sensores que respondem a diversos tipos de ataques.
"Os ATMs brasileiros são tão fortes que, se o país fosse bombardeado em uma guerra, só sobrariam baratas e caixas eletrônicos", disse Vilaim.
Outras medidas incluem sirenes ensurdecedoras, luzes estroboscópicas e até mesmo nebulizadores tradicionalmente usados em boates, instalados para atrapalhar o ataque dos ladrões. O Itaú Unibanco, por exemplo, está investindo em câmeras que podem identificar ladrões que chegam às agências usando máscaras.
Se tudo isso falhar, há uma medida mais drástica: o fechamento das agências bancárias - uma solução que está deixando um número crescente de pequenas cidades brasileiras sem um único banco ou caixa eletrônico.
Cerca de 200 cidades que tinham pelo menos uma agência bancária em 2016 agora não têm nenhuma, de acordo com o Banco Central. Isso às vezes é o resultado do corte normal de custos das instituições financeiras, mas, em muitos casos, um resultado direto de vários roubos na mesma agência, segundo executivos do setor. Vários promotores têm aberto processos contra os bancos, buscando reabrir as agências.
"A principal queixa nessas cidades vem dos comerciantes. As pessoas não têm dinheiro para comprar coisas, então isso afeta a economia local", disse Glauber Tatagiba, promotor estadual de Minas Gerais, que entrou com alguns processos.
A cidade de Minduri (MG), por exemplo, perdeu sua única agência bancária, do Banco do Brasil, em julho, forçando seus 4 mil moradores a terem que viajar 22 quilômetros para o município vizinho de São Vicente de Minas quando precisam fazer uma transação bancária.
Meses depois de Minduri ficar sem banco, ladrões explodiram a agência bancária de São Vicente de Minas, de modo que os clientes tiveram que percorrer 33 quilômetros na direção oposta, para o banco mais próximo em Cruzília, cuja agência havia reaberto recentemente após uma explosão.
"É uma situação difícil, especialmente para os aposentados, que precisam viajar para retirar dinheiro, já que poucos comerciantes aceitam cartões aqui", disse Lucas Magalhães, funcionário municipal de Minduri.
CARROS BLINDADOS E FUZIS
O que diferencia o Brasil de outras regiões onde caixas eletrônicos são atacados, como em partes da Europa e da África, é a frequência dos ataques, de acordo com especialistas em segurança, juntamente com o explosivo de escolha dos criminosos brasileiros.
Em outras partes do mundo, gás explosivo é geralmente usado para explodir caixas eletrônicos. Mas as quadrilhas no Brasil mostraram uma preferência por dinamite, geralmente roubada de empresas de mineração e canteiros de obras.
Uma banana de dinamite estrategicamente colocada em um caixa eletrônico pode fazer milhares de cédulas voarem em segundos, prontas para serem ensacadas pelos bandidos. A preparação para o crime, no entanto, leva muito mais tempo, já que os ladrões cuidadosamente montam grupos de pelo menos dez pessoas, cada uma com sua especialidade.
As quadrilhas têm equipamento militar de alta potência, muitas vezes incluindo coletes à prova de balas, carros blindados e rifles de calibre .50, disse o delegado Pedro Ivo dos Santos, que lidera a força-tarefa contra assaltos a banco no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) do Estado de São Paulo.
O preço de tal arsenal é de cerca de 400 mil reais, mas muitas vezes os equipamentos são roubados ou de segunda mão. Muitos departamentos de polícia não têm recursos para competir.
Cada integrante de uma quadrilha que ataca um caixa eletrônico tem tarefas específicas para executar durante o crime, que normalmente leva cerca de quatro minutos. Alguns espalham metais pontiagudos pelas ruas próximas para furar os pneus de carros de polícia, os chamados "miguelitos", por exemplo, enquanto outros se especializam em abrir os caixas eletrônicos e inserir dinamite.
"O bombardeio de caixa eletrônico é apenas a ponta do iceberg. Os ladrões geralmente começam roubando bancos e depois usam os recursos para financiar o tráfico de drogas, em um movimento que eles vêem como uma promoção de carreira", disse o delegado Santos.