Exposição em São Paulo mostra universo do skate na União Soviética
Quando era criança na cidade de Nalchik, na União Soviética dos anos 1980, Gleb Bentsioviski queria apenas uma bicicleta. Mas sua avó paterna, com uma escolha inusitada, mudou para sempre a vida do garoto.
Como a família não tinha boas condições financeiras, a solução foi improvisar um skate, algo pouco comum no Leste Europeu naquele período. Mais de 30 anos se passaram, e hoje o objeto é o centro da vida de Gleb, colecionador que vive em Minsk, capital de Belarus, e organiza por lá o Museu do Skate Soviético.
“O skate é um estilo de vida e foi uma válvula de escape para muitos jovens da época na União Soviética. Uma forma de expressão que fez com que víssemos o quanto éramos universais em nossas aldeias”, afirma Gleb.
O russo veio ao Brasil pela primeira vez nesta semana e com algo especial na bagagem: uma coleção de skates fabricados nos anos 1970 e 1980 na União Soviética.
Esses equipamentos, fabricados sem a modernidade de computadores e design diferenciado que ajudam nas manobras, estão em exposição na São Paulo Expo até domingo (21) —a mostra passou também pela Galeria do Rock, no centro de São Paulo.
“Os primeiros skates feitos na URSS eram impróprios para a realização de exercícios mais radicais, como os que são feitos hoje nas grandes rampas”, diz Gleb.
O destaque dessa coleção fica por conta do modelo azul de 1978, feito em alumínio, uma das relíquias que ele foi guardando ao longo dos anos.
A exposição conta ainda com skates feitos de plástico e madeira, fabricados na Letônia, Rússia, Ucrânia e Belarus. Essas relíquias são consideradas hoje pesadas demais para as pistas e super rampas.
A história do skate soviético começa no fim dos anos 1970, com os manuais feitos para que os jovens fabricassem seus próprios modelos em casa, de forma artesanal.
A prática era incentivada por diversas revistas e almanaques da época. “O bloqueio econômico da URSS obrigou o povo de lá a fabricar em casa muitas das coisas que eram difíceis de comprar”, conta Gleb.
Com a limitação de materiais, cada skatista era também uma espécie de artesão.
“Na União Soviética, a cultura dos skateboarders nasceu da necessidade dos jovens se expressarem, de terem voz. Foi aí que surgiram as primeiras publicações, com as experiências bem sucedidas dos moradores locais, dos primeiros especialistas na fabricação do skate”, afirma.
A exposição traz também os skates produzidos pela indústria militar soviética. Com a popularização do esporte, não demorou para que os modelos entrassem na linha de produção das fábricas estatais.
Algumas marcas ficaram bem conhecidas, como Rula (Estônia), Ripa (Letônia), Start (Rússia) e Virazh (Ucrânia). Cada uma mostrava algo de original em design e tecnologia, mas seus equipamentos eram caros. “Chegavam a custar meio salário mínimo, impossível para boa parte das famílias”, explica Gleb.
Com a popularização do esporte, principalmente entre os mais jovens, o skate acabou se tornando atração dos circos soviéticos. As apresentações mostravam uma técnica revolucionária para a época e eram consideradas o futuro circense. Entre os 14 vídeos presentes na mostra, um destaca exatamente uma apresentação de circo em 1982.
“Algumas acrobacias apresentadas só foram replicadas pelos skatistas comuns cerca de 20 anos mais tarde na mega rampa”, diz Tadeu Ferreira, curador da exposição.
De Kamchatka a Riga, da Crimeia a Leningrado, os skatistas foram se multiplicando nas maiores cidades soviéticas nos anos 1980. Em Moscou, os pioneiros do esporte costumavam invadir o subsolo do Estádio Olímpico no inverno para andar de skate em grandes espaços vazios.
Mas foram os países bálticos os primeiros a oficializar o novo esporte. No meio da década de 1980 já havia competições na Estônia e Letônia.
Poucos meses antes do fim da URSS, em setembro de 1991, foi realizado o primeiro campeonato soviético de skate em Saratov, cidade russa à beira do rio Volga, que se tornou a capital extraoficial da modalidade na União Soviética.
Foram 130 participantes, algo importante para um esporte considerado novo na época.
Com o fim da URSS, o que era considerado forma de expressão e fala da juventude ganhou mais destaque. A abertura política e econômica permitiu a entrada de novos equipamentos e modernizou a indústria do skate nos países que faziam parte da chamada “cortina de ferro”.
Hoje, as associações e federações estão espalhadas pelos países da região. Com a ascensão do esporte, elevado à categoria olímpica em Tóquio-2020, o skate tem ganhado um novo status.
“Hoje há inúmeros skatistas vivendo do esporte nesses países. A profissionalização veio pra ficar”, diz Gleb.
Exposição fica em cartaz até domingo
A exposição do Museu do Skate Soviético está em cartaz de sexta (19) a domingo (21) na Tattoo Week, na São Paulo Expo (Rodovia dos Imigrantes, km 1,5). A entrada custa R$ 50. Crianças de até 12 anos não pagam ingresso.