Faltou combinar com os brasileiros
A Embratur lançou na semana passada, em Moscou, uma campanha mundial para promover o turismo no Brasil. Batizada de Happy by Nature (Felizes por Natureza), ela quer explorar a imagem de bom anfitrião que o brasileiro causou nos estrangeiros durante a Copa do Mundo, em 2014. Segundo a entidade, numa pesquisa feita com mais de 6.000 visitantes a hospitalidade foi o ponto positivo mais destacado, seguido da gastronomia. “Apesar de todas as belezas naturais, nossos maiores atrativos são a cordialidade e o bem receber”, diz Teté Bezerra, presidente da Embratur.
Para o lançamento, o músico Diogo Nogueira fez pocket shows em três pontos da cidade para atrair a atenção e acabou juntando uma multidão de brasileiros que curtiam a Copa do Mundo. Nenhuma ação de marketing hoje parece completa sem influenciadores digitais, e no grupo de contratados justamente para divulgar a boa imagem do nosso povo estava Júlio Cocielo, com milhões de seguidores, que foi parar no centro de uma polêmica por causa de um tuíte já apagado sobre o atacante francês Mbappé: "conseguiria fazer uns arrastão top na praia".
Cocielo nega que tenha sido racista como vem sendo acusado, diz que se referia à velocidade do jogador e não ao fato de ele ser negro. O agravante é que os internautas desencavaram outras postagens com evidente conteúdo preconceituoso.
Na tarde de segunda (2), o Itaú tirou do ar uma campanha com ele, e a Coca-Cola disse que não o considera mais para futuros projetos. No começo da noite foi a vez da Embratur anunciar que ele não aparecerá no material gravado em Moscou e que não é mais influenciador para esta ou futuras ações.
A campanha da Embratur, que deve acontecer também em países como Estados Unidos, Argentina, Chile, México, Alemanha e Inglaterra, chega num momento em que a imagem do brasileiro já havia sofrido um arranhão por conta dos episódios de machismo, que envolveram alguns torcedores na primeira semana do Mundial. “A atitude deles não nos representa. As medidas punitivas, tanto na esfera pública quanto na privada, já estão sendo tomadas. Ficamos tristes e indignados com a situação porque o nosso povo é muito mais do que isso”, diz Teté Bezerra.
Nesta segunda também, o Ministério do Interior do Rússia acatou a denúncia feita pela advogada e ativista russa Alyona Popova e abriu inquérito sobre os casos. Na barafunda jurídica que envolve o problema é mais provável que não dê em nada e que seja apenas uma reação (um tanto tardia) para inglês ver.
Outro fator que a Embratur vai ter que lidar durante essa campanha é a questão da violência. Foi a primeira pergunta feita por um jornalista russo no lançamento da ação. O Ministro do Turismo Vinícius Lummertz minimizou o problema, disse que a impressão é pior do que a realidade e que os turistas se sentiram seguros nos últimos grandes eventos realizados no Brasil. É verdade que o Rio de Janeiro, por exemplo, estava um paraíso durante a Olimpíada, mas é bom lembrar que o policiamento foi reforçado e o Exército estava nas ruas.
A Rússia está entre os mercados estratégicos para o Brasil. São 23 milhões de russos que viajaram pelo mundo no ano passado e gastaram US$ 27 bilhões, mas só 27 mil estiveram por aqui. A Embratur abriu um escritório no país para conquistar uma fatia desse bolo e assim tentar atingir a ousada meta de dobrar até 2022 o número de turistas estrangeiros que hoje é de cerca de seis milhões por ano. É muito pouco, levando em conta o potencial turístico e o impacto que o crescimento teria na economia e na geração de empregos.
Essa dor de cabeça da Embratur com o influenciador me lembrou um episódio de Copa do Mundo. Reza a lenda que em 1958, o técnico Vicente Feola reuniu os jogadores para discutir a tática para o jogo do Brasil contra a União Soviética. A jogada deveria terminar com a bola nos pés de Garrincha ou de Vavá (depende de quem é o contador da história), que marcaria o gol. Ao que Garrincha diz: “Tudo bem, seu Feola, mas o senhor já combinou com os russos”?
Não há dúvida de que nosso povo é alegre por natureza, que em sua maioria contagia o visitante e gosta de receber bem. O sucesso de grandes eventos como a Copa e a Olimpíada prova que temos vocação de bons anfitriões. A Embratur acertou na aposta de vender ao mundo a receptividade do povo, mas o que se vê é que o governo pode fazer a campanha mais bacana, colorida e alegre, como a que está sendo apresentada, mas precisa combinar –principalmente com os brasileiros que vão nos representar– que seu comportamento seja exemplar.
Mariliz Pereira Jorge viajou à Rússia a convite da Embratur