Fila de 63 horas para CPI em Assembleia de SP incluiu 'medo de soneca'
Assessores que se revezaram por 63 horas em um dos corredores da Assembleia Legislativa de São Paulo viveram um clima amistoso e tenso ao mesmo tempo. Amistoso porque muitos servidores da Casa se conhecem e passaram o tempo papeando entre si, até em clima de brincadeira.
Mas também tenso porque tinham que esconder uns dos outros informações como quantas e quais CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito) pretendiam protocolar em nome de seus respectivos deputados.
Havia, inclusive, uma relutância em dormir para não acordar com o susto de ter perdido posições na fila ou pior: ter a papelada da CPI furtada durante a soneca.
Do final da tarde de sexta-feira (15) até as 8h30 desta segunda (18), quando a Casa abriu as portas do protocolo, assessores se revezaram durante 63 horas, em uma estratégia do PSDB para barrar a criação de uma CPI sobre a Dersa.
A tática para evitar a investigação que poderia atingir governos tucanos foi bem-sucedida e, à frente dela, a base do governo João Doria (PSDB) emplacou outros pedidos com potencial mais ameno para desgaste político.
Como os assessores se revezavam em escalas de cerca de seis horas, muitos aguentaram ficar sem dormir ou comer nesse período. Livros e redes sociais eram companhia para passar o tempo.
Na noite de domingo (17), porém, se permitiram pedir uma pizza. A embalagem da pizza e restos de água e refrigerante amanheceram em uma mesa no corredor.
O local, atrás do plenário Juscelino Kubitschek, fica abaixo do andar térreo. Para ter acesso no fim de semana, quando a Assembleia fica fechada, os assessores precisaram se identificar na portaria. Alguns gabinetes chegaram a enviar à segurança a escala de revezamento dos assessores para que eles tivessem a entrada liberada.
No corredor, havia banheiro e, dos gabinetes, eram trazidos cafezinhos de tempos em tempos. O problema era mesmo a falta de tomadas no local.
Os assessores do PT chegaram a criar um grupo no WhatsApp de nome "CPI" para acompanhar a fila: cada novo assessor era computado. Na manhã desta segunda (18), 15 gabinetes estavam representados por assessores na fila.
Salvador Khuriyeh, chefe de gabinete da liderança do PT, foi dos que mais se empenhou na fila. Revezando com um colega na noite de sexta (15) para sábado (16), chegou a dormir no chão do gabinete, sobre um pedaço de papel kraft que recortou para não ter que deitar direto no solo.
"O chão é duro pra caramba. E fez muito frio", disse.
A corrida pelo protocolo de CPIs no início de cada nova legislatura não é novidade na Casa. O próprio Khuriyeh, em 2011, deu um jeito de driblar a fila que se formou no corredor ao dormir no plenário de domingo para segunda.
Isso porque o plenário também dá acesso ao local de protocolo. Quando a sala foi aberta na manhã de segunda, os assessores da fila no corredor se surpreenderam com Khuriyeh já lá dentro, na primeira posição.
A Casa determinou então que os protocolos feitos pelo plenário não valiam, e as CPIs petistas não foram instaladas.
A diferença neste ano foi que a fila, que geralmente se forma ao amanhecer da segunda, já havia começado desde sexta-feira.
"Toda legislatura é isso. Essa corrida capitaneada pelo governo do estado. Eles sempre buscam blindar, trancar a porta das investigações", afirmou o deputado Ênio Tatto (PT). O PSDB domina o governo paulista e a Assembleia há mais de 20 anos.
Tatto aponta outra inovação deste ano: o fato de o PSDB ter protocolado CPIs de deputados de outros partidos também. O PT irá questionar o procedimento.
Segundo Tatto, ainda é possível instalar a CPI da Dersa antes das demais, mas é preciso que isso seja aprovado por 48 deputados em plenário.
CPIs protocoladas pela base do governo
1. Investigar a real situação da barragem Salto Grande, em Americana - Roberto Morais (PPS)
2. Venda irregular de animais - Bruno Ganem (PODE)
3. Irregularidades na gestão da Fundação Remédio Popular - Edmir Chedid (DEM)
4. Irregularidades na gestão das universidades públicas - Wellington Moura (PRB)
5. Irregularidades na prestação de serviços de táxi aéreo - Rogério Nogueira (DEM)
6. Irregularidades na contratação e prestação de serviços de transporte escolar - Coronel Telhada (PP)
7. Violência sexual nas universidades - Maria Lúcia Amary (PSDB)
8. Situação das condições de segurança dos alojamentos de clubes esportivos - Delegado Olim (PP)
9. Quarteirização nos contratos firmados pelo estado com entidades do terceiro setor - Edmir Chedid (DEM)
10. Fake news nas últimas eleições - Mauro Bragato (PSDB)
11. Cobrança de aluguéis em moradias irregulares - Marcos Zerbini (PSDB)