Futebol, Fifa e suas razões
Eu tinha apenas oito anos quando, brincando pelas ruas de Dakar, me apaixonei pelo Brasil. No Senegal, Pelé, Tostão, Carlos Alberto, Rivellino e Jairzinho eram sinônimos de gols, excelência e magia.
Foi com o incrível gol marcado por Carlos Alberto na final da Copa do Mundo da Fifa de 1970 que aprendi a expressão em francês “le coup de grâce” —golpe de misericórdia. As crianças queriam ser como eles. Muito nova, num país pobre, percebi o potencial que aquela camisa amarela tinha para iluminar rostos e inspirar sonhos.
Fui a única menina entre sete irmãos. Ao terminar o ensino médio, fui estudar na França, de onde voltei com dois diplomas de pós-graduação. Depois de oito anos numa empresa de fertilizantes, entre casamento e três filhos, comecei uma carreira na ONU que duraria 21 anos.
Nesta semana, 50 anos depois de aprender com o Brasil o que o futebol tem de mais precioso, desembarco aqui com essas lembranças à flor da pele e, pela primeira vez, como secretária-geral da Fifa.
Como o Brasil acompanhou, há alguns anos a entidade que represento se tornou sinônimo de cartolas corruptos. Em 2015, a Fifa viveu os capítulos mais lamentáveis da sua história e se viu obrigada a mudar, a reconstruir a sua estrutura e os seus valores.
Hoje, revendo os últimos três anos, sinto um orgulho imenso da enorme mudança promovida pelo presidente Gianni Infantino e de ter sido escolhida como a primeira mulher, negra e africana a ocupar o posto que tenho hoje.
Desde 2016 implementamos profundas reformas e colaboramos com a Justiça para punir aqueles que fizeram mau uso do futebol. Cada centavo que entra nos cofres da Fifa deve, necessariamente, ser reinvestido no futebol. Essa é a razão da existência do programa “Fifa Forward”, que entre 2016 e 2018 possibilitou a execução —com minuciosa auditoria— de 941 projetos de desenvolvimento em 179 países diferentes.
Aos que estavam preocupados com a saúde financeira da Fifa e a fuga de investidores, o recém-publicado relatório financeiro mostra que nossas reservas nunca estiveram tão altas: US$ 2,7 bilhões. Não que o lucro seja um objetivo da Fifa —não é e nunca será—, mas porque nos coloca numa posição confortável para seguir reinvestindo no desenvolvimento do futebol.
Aqui, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) também passou por uma grave crise, o que nos levou a suspender o pagamento do Fundo de Legado da Copa do Mundo da Fifa 2014. Após um longo período de negociações, os recursos foram liberados no fim do ano passado —mas só depois que a nova administração da entidade apresentou garantias de monitoramento e auditorias.
Continuaremos trabalhando com o novo presidente, Rogério Caboclo, no objetivo de garantir que os US$ 100 milhões sejam transformados em investimentos sólidos e duradouros, com especial atenção a cidades que não receberam o Mundial.
Falando nelas, estamos felizes por termos acordado com a CBF que a Copa do Mundo Sub-17 da Fifa, que será sediada aqui no fim deste ano, usará também estádios que não receberam o Mundial. Assim, levaremos investimentos, capacitação e atenção da mídia para outros lugares.
Aliás, desejo sucesso ao Brasil na organização da Copa América 2019, durante a qual sei que a minha filha estará de olho no seu grande ídolo: Neymar. Parece que a paixão pela arte do futebol brasileiro se passa de mãe para filha, de geração para geração. No entanto, enquanto a Copa América é jogada por aqui, eu estarei na França, onde quero ver de perto um outro ícone que hoje ilumina rostos e inspira sonhos no Brasil, na África e no mundo: Marta.
Não temos dúvida de que a Copa do Mundo Feminina deste ano será um divisor de águas. O nível do futebol apresentado será o melhor da história, mudando a opinião dos que ainda pensam que o futebol feminino é o futuro. Discordamos. É o presente. E, de forma muito especial, entre os dias 7 de junho e 7 de julho.
Boa sorte ao Brasil e obrigada pela oportunidade de estar aqui. Estou certa de que voltarei à Suíça sentindo a tal da saudade.