Governo quer barrar benefícios para 2,5 milhões de devedores
O Ministério da Economia prepara um projeto de lei para limitar benefícios concedidos em refinanciamentos de dívidas (Refis) com o governo. Uma das frentes da chamada Lei Geral de Parcelamentos pode barrar o acesso de pelo menos 2,5 milhões de devedores a descontos concedidos por esses programas.
O número corresponde aos inscritos na Dívida Ativa da União que são classificados pelo ministério com selo A ou B, ou seja, têm boas condições financeiras para quitar seus débitos e, em tese, não precisam de ajuda do governo.
O projeto de lei complementar, que regulamenta um trecho da proposta de reforma da Previdência, deve ser enviado ao Congresso quando a tramitação dos ajustes nas regras da aposentadoria estiver avançada.
Entre os pontos em avaliação pelo governo está o que impede que esses devedores em boas condições acessem um Refis, programa que permite o parcelamento de dívidas e concede descontos sobre o valor devido.
O procurador-geral adjunto de gestão da Dívida Ativa da União, Cristiano Neuenschwander, afirmou à Folha que não há risco de que o governo seja questionado por dar tratamento diferenciado aos devedores.
“Nesse caso, eu vou segmentar os contribuintes de acordo com algum critério. Todo mundo que tiver aquele critério vai ter um tratamento X, e aí eu mantenho a isonomia”, disse.
Segundo ele, outra possibilidade seria autorizar o acesso desses devedores aos programas aprovados pelo Congresso, porém, com uma condição diferente. Eles podem ter, por exemplo, descontos menores do que os oferecidos para devedores em maior dificuldade.
Estudo interno da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) ao qual a Folha teve acesso mostra que os devedores A e B são os maiores beneficiários dos refinanciamentos. Eles representam 83% de todo o estoque da Dívida Ativa da União submetido a parcelamentos especiais.
“Os maiores favorecidos por esse tipo de benefício fiscal são indivíduos e empresas financeiramente equilibrados, que poderiam regularizar sua situação de outro modo, sem necessidade de renúncia fiscal por parte da União”, diz o estudo.
Em um dos programas aprovados em 2017, se os débitos parcelados pelos devedores A e B estivessem submetidos a um parcelamento ordinário, sem desconto, a arrecadação mensal do governo saltaria de R$ 300 milhões para R$ 1,1 bilhão.
A proposta em elaboração pelo Ministério da Economia também pode estabelecer um teto para os descontos concedidos, além de impedir reduções sobre o valor da dívida principal.
O maior programa dos últimos anos, de 2017, concedeu 90% de desconto sobre os juros e 70% sobre multas.
Também deve entrar na proposta uma limitação para o prazo de parcelamento de todos os tipos de dívidas. A proposta de reforma da Previdência já limita a 5 anos as parcelas de dívidas com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) .
Refinanciamentos aprovados nos últimos anos pelo Congresso permitem que o pagamento seja feito em até 15 anos.
A redução de prazos e benefícios fiscais é um pedido histórico da Receita Federal e da PGFN, órgãos ligados à parte arrecadatória do Estado e que se posicionam contra descontos e longos parcelamentos de débitos.
A ideia é combater o que os técnicos chamam de cultura da sonegação: empresas deixariam de pagar impostos e, depois de entrar na Dívida Ativa da União, esperariam um novo Refis para realizar a quitação com benefícios.
Programas desse tipo são tradicionalmente aprovados pelo Congresso com benefícios ampliados. Também são usados por governantes que buscam um alívio no caixa. Isso porque, apesar dos descontos, o pagamento de uma espécie de entrada pelos devedores traz um incremento momentâneo para os cofres do governo.
O estudo da PGFN mostra, entretanto, que, após o pagamento da entrada, o fluxo de pagamentos fica muito semelhante ao observado antes do programa, sem ampliação na arrecadação.
“Passada essa fase, o nível de arrecadação volta ao nível anterior, com detalhe que o estoque parcelado é duas vezes maior do que antes”, disse Neuenschwander.