Guerras de alfabetização
Da tresloucada história do hino nacional ao recém-anunciado comitê pela pureza ideológica do Enem, as iniciativas do MEC sob o governo Bolsonaro foram um desastre. Mas, como até um relógio (analógico) parado fica certo duas vezes por dia, sinto-me no dever de elogiar a proposta do ministério de priorizar o método fônico na alfabetização de crianças.
A disputa entre os métodos fônico, que advoga pelo ensino explícito da relação entre letras e sons, e global, que defende o aprendizado com base no aspecto de palavras inteiras, não é nova. Nos países desenvolvidos, as chamadas guerras de alfabetização surgiram nos anos 50, atingiram o ápice nos 90 e começaram a resolver-se a partir de 2000.
Os entusiastas da abordagem global, ligados ao construtivismo, são o lado mais simpático, já que propõem uma educação mais libertária e instigante, longe das aborrecidas cartilhas, na qual a própria criança formula hipóteses e as testa. O problema é que os pressupostos do método global estão errados.
O neurocientista Stanislas Dehaene, um dos maiores especialistas do mundo no assunto, é peremptório. Para Dehaene, o processo pelo qual palavras escritas são convertidas em sequências de fonemas precisa ser ensinado explicitamente. Ele não é natural. Ao contrário, exige cooptar uma complexa rede de mecanismos neurológicos que surgiram para outros fins. Insistir na abordagem global (ou nas mistas) só atrapalha a alfabetização da criança que, de um jeito ou de outro, precisará fazer o vínculo entre grafemas e fonemas.
As evidências de que o método fônico é preferível não vêm só da sempre controversa neurociência mas também de testes aplicados a milhões de alunos reais. Eles originaram revisões sistemáticas a partir das quais governos de países como EUA, França e Reino Unido extraíram diretrizes recomendando priorizar o método fônico.
Entre ideias simpáticas e as evidências, devemos preferir as evidências.