Historiador da arte Charles Saumarez Smith reflete sobre mudanças nos museus
“Nas últimas décadas, eu vi uma grande transformação nos museus. De instituições que eram sobretudo conservadoras e estavam apenas interessadas em exibir as suas coleções, se tornaram muito maiores, mais complicadas e mais orientadas para o público. Os museus hoje não têm somente um acervo, mas também cafés, restaurantes, salas de cinema e eventos públicos”, diz Charles Saumarez Smith.
O historiador da arte e administrador britânico de 64 anos é uma das figuras com mais experiência na condução de importantes museus do Reino Unido.
Smith comandou a National Portrait Gallery, museu que narra o desenvolvimento da Inglaterra por meio de retratos, entre 1994 e 2002, período em que aumentou o número de visitantes de 600 mil para 1,2 milhão de pessoas por ano.
Em seguida, migrou para a vizinha National Gallery, instituição que conta a história da arte europeia em pinturas, onde, entre 2002 e 2007, supervisionou a construção de uma nova ala.
Ele esteve em São Paulo no início de novembro entrevistando personalidades da cena artística da cidade —como a artista Sonia Gomes, o diretor da Pinacoteca Jochen Volz e o arquiteto Paulo Mendes da Rocha—, para um livro e um documentário que prepara sobre as transformações que os museus vêm sofrendo desde o final da Segunda Guerra Mundial.
O livro, que deve ficar pronto em 2020, versa sobre como alguns dos museus mais importantes do mundo estão passando de locais conservadores e voltados para especialistas a estabelecimentos cujo foco é o público e o número cada vez maior de visitantes. O autor selecionou cinco instituições por década de 1950 até hoje, as quais, nas suas palavras, “mudaram a maneira com a qual as pessoas pensam sobre museus”.
Entraram na lista o Louisiana, na Dinamarca, e o Guggenheim, em Nova York (ambos como representantes da década de 1950); o Masp, em São Paulo (década de 1960); e o Centre Georges Pompidou, em Paris (década de 1970), entre outros. De acordo com o autor, tais locais encapsularam o espírito do tempo no qual foram construídos.
“Geralmente seleciono instituições que tem um projeto arquitetônico significante; não estou interessado nas menores. O Masp me parece ser um exemplo essencial do pós-guerra por ter mudado a ideia do que um museu pode e deve ser”, afirma, em entrevista exclusiva para a Folha.
Ele diz achar “simbólico da transformação” o fato de o museu de Lina Bo Bardi contar com um espaço público, o vão livre, abaixo das galerias expositivas.
Além disso, nas postagens que fez em seu blog durante a breve estadia na cidade, Smith escreveu que, apesar de admirar comida sofisticada em museus, se encantou com o espírito democrático do restaurante do subsolo do Masp: “barato, bufê, tanto para cidadãos quanto para turistas”.
Também vai estar no livro a experiência de Charles como chefe executivo da Royal Academy of Arts, a Academia Real de Artes, em Londres, instituição fundada em 1768 e comandada por ele desde 2007.
O administrador coordenou o maior projeto de renovação da história da academia: ao custo de 56 milhões de libras, cerca de R$ 268 milhões, novas galerias expositivas e um auditório foram construídos, além de o espaço público ter aumentado em 70%.
A demanda crescente de público é uma das faces mais visíveis das transformações por que passam os museus. Em paralelo, há uma alteração no caráter das exposições, com projetos curatoriais que privilegiam a arte contemporânea. “Na Royal Academy, nós em geral tínhamos 200 mil visitantes para uma exposição de cunho histórico. Mas agora temos 300 mil visitantes para Ai Weiwei e 600 mil para David Hockney”, conta. “Há um afastamento dos museus de uma certa cultura de elite, e uma aproximação com a cultura democrática.”
Outra modificação significativa vem ocorrendo desde a década de 1980, quando Smith trabalhou como professor do curso de história do design do Victoria & Albert, um dos maiores museus do mundo em decoração e design: trata-se de uma diminuição das verbas públicas destinadas a instituições do tipo e o consequente aumento da injeção de fundos da iniciativa privada.
“Isso está acontecendo no mundo todo. A arrecadação de impostos dos governos está diminuindo, e o Estado não pode mais financiar instituições de cunho acadêmico como fazia. Mesmo na Alemanha e na França, que ainda são mais orientadas para o setor público. O Louvre, por exemplo, tem um programa de amigos”, afirma.
“Agora, a maior parte dos museus é uma combinação de algum subsídio público com muitos doadores privados. Trazer gente rica para a diretoria é uma maneira clássica de mudar as coisas." Na Inglaterra, a Royal Academy passa pelo processo de constituição de um “endowment”, um investimento de milhões de libras cujos rendimentos são utilizados para a sua manutenção.
Smith trouxe a tiracolo o documentarista e amigo de longa data Bruno Wollheim, que tem no currículo um filme sobre o pintor inglês David Hockney e outro sobre a arte do retrato.
Wollheim registrou em vídeo as entrevistas —realizadas em locais como o Sesc Pompeia, a Fundação Bienal e a Casa de Vidro—, e o material vai servir de base para um programa piloto, ainda sem título, a ser oferecido para a BBC.
O projeto, viabilizado pela organização carioca de intercâmbio cultural InclusArtiz, vem em um momento de mudança para Smith. Ele anunciou há pouco que vai renunciar a seu cargo na Royal Academy para assumir a direção da galeria de arte contemporânea Blain|Southern.
“Não vou mais ter a responsabilidade de dirigir uma equipe de 300 pessoas. Trabalhar para uma galeria comercial será diferente. Estou animado.”