Hoje o VAR induz árbitro a mudar de opinião, diz Arnaldo Cézar Coelho
Árbitro da final da Copa do Mundo de 1982, o comentarista da TV Globo Arnaldo Cezar Coelho, 75, anunciou após a final do Mundial da Rússia, no domingo (15), que essa seria a última Copa em que ele trabalharia nas transmissões do canal, após 30 anos ao lado de Galvão Bueno.
Apesar de confirmar que pretende deixar a carreira de comentarista de arbitragem no fim do ano, quando acaba seu contrato com a Globo, Arnaldo diz em entrevista à Folha que a função permanece relevante, mesmo com a introdução do VAR (árbitro assistente de vídeo) no futebol.
"O comentarista de arbitragem vai ter que esclarecer muito mais o protocolo de funcionamento do árbitro de vídeo, como ele pode atuar. Mesmo com o VAR, as polêmicas irão continuar", afirma.
Para ele, a Copa mostrou que o assistente de vídeo tem grande influência sobre a decisão do árbitro de campo.
"O VAR, hoje, quando chama o camarada [árbitro], já está induzindo o cara a mudar a concepção dele da jogada. Isso é que tem que ser corrigido", diz o comentarista.
Sobre a aposentadoria, ele afirma que o anúncio foi motivado pelo desabafo do amigo Walter Casagrande. O ex-jogador e comentarista, que faz tratamento para dependência química há dez anos, disse na transmissão estar feliz por permanecer sóbrio durante a cobertura da Copa.
O que você pensa em fazer agora que deixou de ser comentarista de arbitragem?
Eu parei de comentar na Copa do Mundo. Tenho um contrato em vigor até dezembro. Em dezembro, eu não pretendo renovar. Só que da forma como me expressei, pode ter dado esse duplo sentido.
O que aconteceu é que foi um momento de emoção, o protocolo da final estava demorando e o Casagrande mexeu com a emoção de todos, por causa daquele compromisso dele... Então, aproveitei e falei uma coisa que já tinha dito a muita gente.
Você ainda continua até o final do ano?
Exatamente. Eu já havia externado [para a Globo] essa minha intenção. Com isso, assumi a posição de coordenador dos comentaristas, preparando os outros rapazes para uma substituição. É meu estilo, sempre quis fazer isso. Sou professor de educação física, então tenho prazer em ensinar.
Quem pode ser seu substituto nas principais coberturas de futebol da TV Globo?
Inclua-me fora dessa [risos].
E o que você fará da vida a partir de 2019?
Eu tenho uma afiliada da Globo no sul do estado do Rio, em Resende. Cobre 24 cidades, tenho quase 200 funcionários. Todas as semanas eu vou para lá. A partir do ano que vem quero ter mais tempo para me dedicar a esse negócio. E também quero deixar um pouco de ver futebol. Mesmo quando estou de folga, eu assisto aos jogos para ver lances polêmicos.
Por que decidiu parar?
A vida da gente tem fases. Eu tenho 75 anos, estou na quarta fase da minha vida, é uma parte final. Nos primeiros 25 eu me formei em educação física, comecei a apitar futebol de praia e, por fim, fui para o futebol de campo, onde consegui tudo o que sonhava. Apitei em duas Olimpíadas, duas Copas, final de Mundial, até chegar à TV.
Qual foi seu grande momento como comentarista de arbitragem?
Quando o bordão 'a regra é clara' começou a ficar popular e comecei a ser reconhecido como um cara que procura esclarecer.
No futuro, há possibilidade de você retornar à TV?
Não sei [risos]. Eu dou palestras em universidades, para o mercado financeiro. Tem uma coisa que eu sempre digo: "A regra é clara, aproveite as oportunidades". A vida é você estar no lugar certo e na hora certa. Essa é a razão da minha vida. Eu sou fruto de oportunidades, e elas aparecem. Se for interessante, eu abraço.
Qual é o seu veredito sobre o VAR nesta Copa?
A maior curiosidade que eu tinha era de como iria funcionar. Era uma experiência nova, e como toda novidade, você precisar ir ajustando. Acho que na primeira fase a gente tinha mais problemas, mas foi melhorando. No entanto, em muitas situações o protocolo ainda precisa ser ajustado.
Como o quê?
Quando há questões interpretativas. Até mesmo no impedimento, se o jogador participa ou não da jogada. É preciso haver muito treinamento do árbitro no campo e daqueles que operam o equipamento. Vou dar um exemplo prático: o toque de mão da final [pênalti de Perisic, da Croácia], era um lance de interpretação. Uns podem dizer que em câmera lenta mostra a mão dele indo em direção à bola, mas na velocidade normal parece que o movimento foi de reflexo.
Você daria o pênalti?
Se eu estivesse apitando, com certeza eu não daria, como o árbitro na hora não deu. É um lance subjetivo, interpretativo, que a regra dá poder ao árbitro de decidir. O VAR, hoje, quando ele chama o camarada [árbitro], ele já está induzindo o cara a mudar a concepção dele da jogada. O VAR, usado dessa forma, se torna mais importante do que o árbitro dentro de campo. E isso é que tem que ser corrigido.
E no lance do Gabriel Jesus na partida contra a Bélgica, marcaria a penalidade?
Ele tocou na canela do Gabriel. Tive dúvida se a bola estava em jogo, mas depois, com o recurso do replay da TV, eu vi que estava. Não deixa de ser um lance interpretativo, mas a imprudência do zagueiro é lance para pênalti. Ali, no mínimo, ele [juiz] deveria ter sido chamado para ver o lance.
Com o uso da tecnologia no futebol, o que você acha que vai ser da profissão de comentarista de arbitragem?
O comentarista de arbitragem vai ter que esclarecer muito mais o protocolo de funcionamento, a forma como o árbitro de vídeo pode atuar. Mesmo com o VAR, as polêmicas irão continuar. A função do comentarista tem que ser didática.
Como avalia o desempenho do árbitro brasileiro Sandro Meira Ricci na Rússia?
Acho que ele poderia ter apitado a final, mas preferiram colocar o argentino[Néstor Pitana], por acharem que ele tem estilo mais europeu. Isso quando apita lá fora, quando apita Libertadores e quer administrar o jogo acaba sendo um desastre. Eu elogio o Sandro Meira Ricci, que apitou três jogos espetaculares e um pênalti de agarrão [em Nigéria x Croácia] sem o auxílio do VAR.
Como foi trabalhar todos esses anos ao lado de Galvão Bueno e Casagrande?
São duas pessoas incríveis. O Casagrande é um sobrevivente. Um cara que luta diariamente para não voltar a ser um dependente químico. E o outro [Galvão] é um vendedor de emoções, mundialmente reconhecido.
O Galvão falou na final que essa provavelmente foi sua última Copa como narrador. Acha que ele estará no Qatar em 2022?
Acredito que na próxima Copa o Galvão estará numa nova função, a direção da Globo saberá encontrar.