Homens que gostam de fingir que são cães andam em matilhas em San Francisco
Os homens são como cachorros –alguns mais que outros.
Existem aqueles, por exemplo, que usam capuzes, coleiras e caudas de cachorrinho quando andam na rua.
Às vezes eles aparecem em matilhas. Embora não seja tão comum quanto percorrer o tapete vermelho usando acessórios ligados a outros fetiches, o hábito de se fantasiar como cão vem ganhando visibilidade em San Francisco e outras cidades.
Os entusiastas do chamado “puppy play” fazem parte de uma comunidade maior que se interessa por bondage, dominação, sadismo e masoquismo, conhecidos coletivamente como BDSM. Os participantes encaram o “puppy play” principalmente como uma forma de role play sexual no qual eles agem como cachorrinhos –brincalhões, amigáveis, geralmente não verbais —e sentem prazer nisso.
Muitos deles são rapazes gays e adotam nomes típicos de cachorrinhos de estimação. Cachorrinhos humanos chamados Turbo, Wonkey, Level, Twitch, Trigger, Cakes, Amp e Mowgli me deram entrevistas para este artigo.
“Você para de usar palavras e começa a se comunicar com rosnados. É superdivertido”, explicou Phillip Hammack, 42, professor de psicologia da Universidade da Califórnia Santa Cruz que usa o pseudônimo de Pup Turbo. “Você se desliga do lado humano, para de pensar sobre cada coisinha que faz na vida e passa a agir de modo instintivo e brincalhão.”
Jason, 27, empreendedor em Boulder, Colorado, nome de cachorrinho Pup Level, disse que o pup play acentuou as tendências que ele já tinha antes de começar a praticar a atividade. Disse que seus equipamentos de cão o ajudam “a ser mais quem eu sou”. O NYT concordou em não identificá-lo pelo sobrenome para evitar consequências profissionais para ele.
“Eu vivia choramingando e cheirando as coisas, como um cãozinho”, ele contou. “Às vezes é difícil juntar as palavras da maneira certa para expressar emoções. Se estou me sentindo solitário ou triste e estou aninhado do lado do meu companheiro, solto um ganido e dou uma farejada nele para chamar sua atenção.”
Jason se descreveu como “um cãozinho que dá apoio emocional”.
“Quando eu era criança e ficava deprimido, meu cachorro me dava apoio emocional. Acho que agora estou tentando projetar a mesma coisa de volta para o mundo”, ele explicou.
O puppy play não é algo novo, mas sua popularidade, sim.
“O pup play explodiu nos últimos anos”, disse Rob Gammel, gerente de estoque da Mr. S. Leather há sete anos. “Não conseguimos dar conta da demanda.” Situada no bairro South of Market, em San Francisco, a loja de artigos de couro vende equipamentos de fetiche e brinquedos sexuais e é o coração comercial do cenário do pup play. Todos os homens com quem conversei para este artigo haviam comprado equipamentos ali.
“Antigamente tínhamos apenas um ou dois capuzes de cão dentro da seção maior de máscaras. Hoje oferecemos capuzes de cores e materiais diferentes. Chegamos a reformatar uma parte da loja para focar exclusivamente o pup play”, disse Gammel. O setor ampliado é chamado Mr. S. Kennel (Mr. S. Canil).
Gammel pensa que o pup play é mais acessível a novatos que outros tipos de fetiche. Outras pessoas ecoaram sua opinião. Esse fetiche não requer de quem o pratica o mesmo nível de agressão de, por exemplo, bondage praticado com cordas ou uma relação de senhor e escravo 24 horas por dia, se bem que possa chegar a isso.
“O pup play é um fetiche divertido, leve. Não é algo tão sombrio, tão tenebroso, tão ligado ao confinamento, não é algo em que as pessoas sejam amarradas e açoitadas”, explicou Amp Somers, designer da Mr. S. que tem 29 anos e usa o nome de cão de Pup Amp.
Somers foi o segundo colocado no concurso Leather Heart Award (prêmio coração de couro, um prêmio tipo Miss Simpatia dos cães humanos), parte do concurso Mr. SF Leather, no primeiro fim de semana de março. Ele produz uma série no YouTube sobre fetiches e disse que seus vídeos sobre puppy play regularmente são os mais vistos.
Não é de hoje que San Francisco abriga subculturas sexuais. O Folsom Street Fair, um festival anual ao ar livre promovido na cidade e voltado ao BDSM, hoje é repleto de cães humanos, sendo que antes haviam poucos. O evento é o festival Coachella dos fetichistas. É o maior evento da comunidade fetichista, o lugar para ver e ser visto açoitando alguém que está pedindo para apanhar mais.
Patrick Finger, diretor executivo da organização responsável pelo festival, disse que nos últimos cinco anos o puppy play tornou-se o subgênero de BDSM que vem crescendo mais rapidamente, se bem que ele se recorde de ver cães humanos no festival há pelo menos dez anos. Ele atribui o sucesso do fetiche à internet.
“O mundo virou muito menor graças à tecnologia, que fez uma diferença enorme por disponibilizar materiais fetichistas online”, disse Finger. “E algo tão visível quanto um homem usando capuz de cachorrinho não pode deixar de chamar a atenção, quer seja em fotos ou pessoalmente.”
Os cachorrinhos humanos são “primos” de alguns outros cachorros que você talvez encontre ao andar pela rua. Os “furries”, ou peludinhos, que vestem fantasias completas de animais do tipo mascote, também saem em matilhas. Mas sua estética remente mais a “A Dama e o Vagabundo” que a “Cinquenta Tons de Cinza”, e muitos cachorrinhos humanos disseram que existem poucos pontos em comum entre as duas comunidades.
No passado os cães humanos, tanto os que usam couro quanto os peludinhos, podiam ser encontrados no Tumblr, mas depois de a rede social ter proibido os conteúdos sexuais eles migraram para o Instagram e o Twitter. Suas conversas ocorrem sob hashtags como #pupplay, #humanpup (cachorrinho humano) e #gaypup (cachorrinho gay), e os nomes de usuário estão ligados às suas identidades de cachorrinho.
Pessoas como Mekelé, morador de Washington que usa o apelido de cão de Wonkey, usam o Instagram para dar vazão a seu desejo de se exibir como cãezinhos humanos. Wonkey posa na praia, nu exceto por seu capuz, ou na Times Square. Ele disse que comprou a máscara seis meses atrás e descreve seu alter ego como sendo “desvairado, maluco e aleatório”, em oposição à sua personalidade “altamente ansiosa” do dia a dia. (O NYT concordou em não usar seu sobrenome.)
“O pup play virou minha terapia própria. Com ele, eu me rendo ao estado de espírito de Wonkey”, ele explicou. “A comunidade dos cães humanos é a melhor que já conheci. Quando você vê um novo cachorrinho humano, com certeza o cumprimenta e provavelmente ladra para ele.”
Quando os fetichistas sexuais formam comunidades em torno dos passatempos que compartilham, seus interesses sexuais frequentemente se manifestam em ambientes não sexuais. O pup play não constitui exceção.
Scott Friesen, 37, pediu para ser identificado como “Gunner”, seu nome de cãozinho, durante mais de quatro anos em seu trabalho na Fundação anti-Aids de San Francisco –exceto em contratos legais, é claro. E por algum tempo, pediu a seus amigos e colegas de trabalho para referir-se a ele pelo pronome “pup”. Ele pertence a uma matilha chamada Pedal Pups que está levantando fundos para pesquisas sobre HIV através da organização AIDS/LifeCycle.
Um tratador ou alfa pode cumprir o papel de parceiro sexual e/ou coach de vida de seu cãozinho humano. Hammack, conhecido como Pup Turbo, é um dos dois alfas da matilha Fog City, um grupo de nove cachorrinhos humanos em San Francisco que existe há quatro anos. Juntos, eles administram uma firma de promoção de eventos.
“Nossas identidades de cachorrinho humano estão integradas às nossas identidades convencionais. São extensões naturais nossas”, explicou Hammack. “A dinâmica entre alfa e beta se estende além da dinâmica sexual e romântica. É um conceito de mentoria. Nossos alfas são cerca de dez anos mais velhos que os outros cãezinhos humanos.”
Hammack se identificou como cão da raça beagle. Seu capuz de cão corresponde à cor usual dessa raça.“O beagle é um cão de família, muito protetor. Ele possui faro excelente, e eu sou um cão muito farejador. Seu tamanho é médio, como o meu, e que um latido e rosnado profundo, como os meus”, ele disse.
Além de ser fonte de identidade pessoal e filiação a um grupo, o pup play também representa uma oportunidade financeira: a comunidade dos cães humanos paga para brincar, e as empresas de artigos especializados de couro estão ali para lhe suprir.
Um capuz de couro da Mr. S. Leather em uma de quatro combinações de cores convencionais –preto e cinza, preto e bege, preto e marrom ou todo preto—custa US$ 320, mas uma versão customizada com cores mais extravagantes, como vermelho ou azul, fica US$ 350.
Um capuz de neoprene custa US$ 140 em qualquer de 16 cores padronizadas –camuflagem, verde limão e verde água, entre outras—ou US$ 170 para quem quer algo mais personalizado. Mekelé estima que já gastou mais de US$ 2.000 com equipamentos fetichistas.
A matilha Fog City e diversos bares de San Francisco promovem eventos de puppy play, cobrando ingresso. No primeiro sábado de cada mês há um evento chamado Woof promovido pelo bar SF Eagle que ocorre à tarde. À noite, o bar sedia uma festa chamada Frolic (brincadeira), que, segundo sua página no Facebook, é para “cachorrinhos, coelhinhos e peludinhos”.
O puppy play já abriu caminho nas expressões mais tradicionais de amor. Um casal que celebrou o matrimônio em San Francisco, Pup Twitch e Pup Trigger, usou coleiras para mostrar seu compromisso um com o outro antes do casamento.
Twitch, cujo nome real é Will, tatou um osso de cachorro na parte interna de seu bíceps direito. Dentro dele, tatou as coordenadas geográficas da sede da prefeitura, onde foi celebrado o casamento dos dois.
Twitch e Trigger ainda usam suas coleiras, em parte para identificar-se como cães humanos diante de outras pessoas. É um símbolo de compromisso mais visível e específico que uma aliança de casamento tradicional.