Ideias feitas
As ideias feitas são um perigo. Elas nos dispensam de pensar. Como circulam sem contestação, tendemos a ouvi-las, aceitá-las e usá-las como se sobre elas não restasse a menor dúvida. Mas e se estiverem erradas? Eu próprio escorreguei em uma, outro dia (17/4). Referi-me à impressionante afirmação do presidente Jair Bolsonaro, de que o nazismo era uma ideologia de esquerda, como uma ideia que, “como a jabuticaba”, só existia no Brasil. Ninguém discutiu a exclusividade brasileira da frase de Bolsonaro —onde mais alguém teria tal ideia? Mas, a da jabuticaba, sim.
Um leitor escreveu para alertar que a ideia de que a jabuticaba só existe no Brasil, que todos repetem, não é verdadeira. Segundo ele, encontram-se pés de jabuticaba também no México, Bolívia, Peru, Paraguai e nordeste da Argentina. Apanhado no contrapé, fui investigar. Consultei amigos com notório saber em jabuticabas —um já produziu um “paper” acadêmico sobre elas— e fui informado de que, de fato, nativa do Brasil, a jabuticaba saiu flanando por aí e pode ser encontrada nos países citados. Donde a famosa frase sobre ela é, no máximo, meia verdade.
A ideia feita, dependendo do assunto, resulta da arrogância, da pretensão ou da ignorância. Mas contará, quase sempre, com o aval da unanimidade —aquela que Nelson Rodrigues chamava de burra porque, quando pensamos com a unanimidade, não precisamos pensar.
No século 19, Gustave Flaubert começou a escrever um “Dicionário das Idéias Feitas”, que antevia como uma “enciclopédia da estupidez humana”. O livro saiu, mas incompleto, porque ele morreu antes. Tudo bem. Mesmo que tivesse vivido mil anos, Flaubert também não o concluiria, porque a estupidez não tem fim.
A jabuticaba fez bem em expandir seus domínios fora do Brasil. O Brasil é que está se esforçando para concentrar toda a arrogância, pretensão e ignorância mundiais.