Inquérito do Supremo sobre fake news pode trazer avanço em legislação, diz advogado
Controvérsias à parte, a polêmica em que o STF (Supremo Tribunal Federal) se meteu nas últimas semanas a título de combater fake news poderá ter um saldo positivo, na visão do advogado especialista em direito digital Renato Opice Blum.
Professor do Insper, instituição onde coordena cursos nas áreas de proteção de dados e de direito eletrônico, Blum exprime voz dissonante em meio à onda de críticas à atuação do STF no caso e, em entrevista à Folha, diz que o episódio pode representar um avanço na jurisprudência sobre notícias falsas no país.
"Teremos a oportunidade de presenciar uma evolução do entendimento do Supremo sobre o tema e sobre questões que atingem os seus próprios membros. Vai ser muito rico do ponto de vista da evolução técnica", afirma ele, que também é economista.
Ao alegar impedimento ético, Blum evita entrar em pormenores polêmicos do inquérito instaurado pelo STF para apurar calúnias, ofensas e ameaças a ministros do tribunal.
A investigação culminou em medidas como a censura (já derrubada) aos sites da revista Crusoé e O Antagonista na segunda-feira (15), o cumprimento de mandados de busca e apreensão contra sete pessoas na terça (16) e, no mesmo dia, um rumoroso atrito com a PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre o prosseguimento do caso.
O advogado e professor não comenta, por exemplo, se há tintas autoritárias nas recentes decisões e falas dos ministros Dias Toffoli, presidente da corte, e Alexandre de Moraes, relator da investigação.
Para os críticos, o STF esvaziou seu papel de guardião da Constituição, colocando em risco direitos como liberdade de expressão e liberdade de imprensa, além de ter extrapolado suas atribuições ao abrir o inquérito por iniciativa própria e se colocar a um só tempo como órgão investigador e julgador.
"Eu não saberia responder se houve excesso ou não", afirma o docente do Insper. "O que eu posso dizer é que as medidas jurídicas adotadas são previstas e possíveis. Temos que aguardar o desenrolar do caso."
Blum prefere olhar para a outra margem do rio. Diz ver como consequência benéfica do episódio o fato de sociedade e meio jurídico se debruçarem em um debate sobre fake news, tema no qual vem se especializando.
"Por mais polêmica que seja a questão, há um efeito prático desse tipo de medida que deve ser sempre sopesado. Olha só a repercussão que está dando esse caso. Disseminou mais ainda a discussão sobre liberdade de expressão, sobre o que pode ser melhorado na legislação."
Ele continua: "Não se trata aqui de dizer se o STF acertou ou errou, mas é fato que a corte se valeu das ferramentas disponíveis hoje no nosso ordenamento jurídico tanto para buscar reparação em casos como calúnia e injúria quanto para coibir a propagação de notícias falsas".
"O que entendo como desejável, e é aí que eu acredito que o STF poderia ter dado um passo adiante, seria ter avançado no estímulo ao direito de resposta no contexto da internet. Espero que isso ocorra."
Nos mandados expedidos na terça contra sete pessoas que, para Moraes, difundiram inverdades sobre o tribunal, a ordem foi a de bloquear contas em redes sociais pertencentes aos investigados.
Na avaliação do advogado, para combater fake news na internet, o Judiciário deveria privilegiar a invocação do direito de resposta.
Além de atenuar as discussões sobre ter havido censura ou cerceamento à liberdade de expressão, a medida seria mais eficaz e pedagógica do que a simples exclusão do material, segundo o raciocínio de Blum. "Com o direito de resposta, você desmistifica, clarifica, dá credibilidade àquilo que é real."
"A internet traz a dificuldade de remoção, porque um material pode ser retirado, mas volta. É algo sem fim. Quando você dá plenitude ao direito de resposta, amplia o entendimento do cidadão sobre aquele tema."
O especialista assinala, no entanto, que essa solução ainda enfrenta dificuldades técnicas para ser implementada, o que leva ao segundo ponto que ele considera fundamental para fortalecer o combate a fake news: a maior responsabilização das plataformas que hospedam os conteúdos.
"Seria um avanço importantíssimo, como está começando a acontecer na Europa."
De acordo com Blum, as redes sociais e aplicativos deveriam ser pressionados para criar soluções tecnológicas que permitam, por exemplo, que o direito de resposta eventualmente concedido pela Justiça alcance tanta visibilidade nas buscas quanto teve a postagem original com a informação inverídica.
Essa lógica, ressalva o docente, não eximiria de eventual responsabilidade criminal ou civil o autor da publicação. "Quando você quer esclarecer um fato, você não tem o mesmo espaço da repercussão que o primeiro post obteve, o que é injusto e desequilibrado. Isso tem que ser corrigido", afirma.
É essa agenda —combinando direito de resposta e responsabilização das plataformas— que ele gostaria de ver caminhar. "Reitero minha confiança no Supremo. Sou filho de juiz e sempre aprendi a respeitar o STF. Parto do princípio de que, até que se prove o contrário, [os ministros] são todos corretos."
A fé na instituição, continua o advogado, o faz acreditar que os alvos do procedimento terão resguardados o amplo direito ao contraditório e a chance de defesa, ainda mais pela visibilidade do caso. O inquérito na corte até agora não foi transformado em ação penal.
"Os ministros estão sendo violentamente atacados. Queira ou não queira, são ministros do Supremo Tribunal Federal e devem ser respeitados, são da maior instância [da Justiça do país]", afirma Blum.