Insegurança jurídica no Brasil faz empresário mirar futebol português
De 2008 a 2014, o banco BMG patrocinou 39 clubes de futebol do Brasil. Investiu anualmente R$ 60 milhões durante sete temporadas, valor aproximado de R$ 400 milhões.
Fora o patrocínio, o fundo de investimento gerido pelo banco foi dono de percentuais de contratos de jogadores, comprados e repassados a times diferentes. Paulinho, no Corinthians, Montillo, no Santos, Dedé, no Cruzeiro. Todos tiveram participação do BMG.
A partir de 2015, o banco tirou o pé. Agora, a ideia do empresário Ricardo Guimarães, herdeiro, sócio e presidente do BMG, é comprar um clube em Portugal, como pessoa física. O mais provável candidato é o Vitória de Guimarães.
Com o perdão do trocadilho, a vitória de Guimarães será símbolo de mais uma derrota brasileira: a de perceber que quem tem dinheiro não quer investir aqui.
A trajetória de Ricardo Guimarães não é a mais inquestionável da vida privada do Brasil. O BMG emprestou dinheiro a Marcos Valério, operador do mensalão, no meio da década passada. Foi o presidente do rebaixamento do Atlético, mas também do acesso no ano seguinte, quando encurtou seu mandato em um ano. É credor do Atlético até hoje.
Há dois anos, foi acusado de gestão fraudulenta por contratos do BMG. Em abril deste ano, foi absolvido da acusação.
Não se trata de querer qualquer dinheiro, sujo ou limpo. A pergunta é: por que alguém que investiu tanto e há tão pouco tempo decidiu que a melhor saída é o aeroporto? "Porque Portugal oferece mais perspectiva", diz Guimarães.
Ele é mineiro e não tem passaporte português. Não tem vínculos com o país. Só quer começar um novo negócio. Se quem investiu mais de R$ 400 milhões agora prefere os portugueses, imagine o que pensam outros grandes empresários.
A ideia do fundo de investimentos gerenciado pelo BMG até 2014 era comprar jovens jogadores, revendê-los e lucrar com isso. Muitos clubes apostaram nisso. Os fundos teriam porcentagens de jovens craques, o que ajudaria a adiar as vendas para a Europa.
Neymar ficou no Brasil por quatro anos com apoio do fundo DIS, gerenciado pelos supermercados Sonda. O Santos rejeitou propostas do West Ham, Chelsea e Real Madrid, antes de vender Neymar para o Barcelona. Hoje, o dono da rede processa Neymar e seu pai.
O dinheiro dos fundos de investimento minguou quando a Fifa proibiu a participação de terceiros em contratos de jogadores. Só os clubes podem ter parcelas desses acordos, razão pela qual Ricardo Guimarães também adquiriu um time mineiro, o Coimbra. Mas quer mesmo trabalhar em Portugal, onde nasceu em 2013 a lei das Sociedades Anônimas Desportivas (SAD).
O Benfica hoje tem sua própria emissora de TV. "O Porto tem faturamento igual ao do Flamengo ou do Corinthians num país de 11 milhões de habitantes", espanta-se Guimarães.
No Brasil, tramita no Congresso Nacional o projeto de lei das Sociedades Anônimas do Futebol (SAF). O modelo é semelhante ao português.
Está cada vez mais claro que o regime de clubes desportivos com conselhos deliberativos e presidentes eleitos a cada três anos produz decisões motivadas apenas pela repercussão política.
As contratações de Felipão e Cuca e a demissão de Marcos Paquetá, nesta semana, são exemplos recentes disso. Também não é necessário buscar mega-investidores estrangeiros, como na Inglaterra.
A Premier League é o melhor campeonato nacional do planeta e também o paraíso dos picaretas internacionais. O chinês Li Yanghong vendeu o Milan mês passado depois de ficar inadimplente em mais de 30 milhões de euros.
Ninguém quer a picaretagem. Apenas criar condições de investimento para quem tem dinheiro e gosta de futebol.