Investidor privado amplia participação no setor elétrico após recuo estatal
Elétricas privadas, principalmente de capital estrangeiro, têm aumentado fortemente os investimentos no setor elétrico do Brasil, aproveitando o recuo de grandes estatais, que lideraram a expansão da capacidade de geração e transmissão até meados desta década, mas atualmente enfrentam restrições financeiras.
Segundo levantamento feito pela Reuters, de um grupo de 11 empresas privadas, oito ampliaram os aportes entre 2016 e 2018, com algumas companhias elevando investimentos em mais de 200 %, enquanto as principais estatais, Eletrobras, Cemig e Copel, reduziram em cerca de 45 %.
O investimento da Eletrobras caiu quase pela metade, levando a controlada pelo governo brasileiro a perder sua tradicional liderança nos desembolsos. A estatal, assim como outras empresas públicas, tem promovido desinvestimentos, que inclusive ajudam na atração de recursos privados.
Após investir R$ 8,7 bilhões em 2016, a Eletrobras cortou o orçamento para R$ 5,2 bilhões em 2017, quando foi ultrapassada pela francesa Engie, com R$ 5,5 bilhões.
Em 2018, a estatal federal investiu R$ 4,6 bilhões, vendo a primeira colocação ficar com a chinesa State Grid, com R$ 7,1 bilhões.
Embora com orçamentos não tão robustos, outros grupos privados também ampliaram massivamente os aportes em termos percentuais. A norte-americana AES elevou em 333 % os desembolsos na subsidiária AES Tietê, enquanto as transmissoras ISA Cteep e Taesa, com participação da colombiana ISA, tiveram alta de 129 % e 836 %, respectivamente.
"Claramente a gente vai, tanto em leilões de novos projetos quanto em consolidação, ter cada vez mais a presença dos privados. Eu diria até que pela maior eficiência", disse à Reuters o presidente da transmissora ISA Cteep, Reynaldo Passanezi.
"Essas empresas privadas estão bem capitalizadas e têm vantagens competitivas muito grandes. Já as estatais passam por um momento bem diferente", disse o diretor da consultoria Excelência Energética, Érico de Britto.
O atual quadro das empresas públicas está em parte associado à complicada situação fiscal do governo federal e diversos Estados.
Mas a atual fase deriva também de investimentos infrutíferos no passado, quando as estatais entraram com agressividade em leilões do governo para novos projetos que depois geraram prejuízos ou resultados abaixo do esperado para as companhias, acrescentou o consultor.
Como resultado desse ciclo anterior, a maior parte das estatais hoje passa por processos de reestruturação e venda de ativos para reduzir dúvidas, enquanto as privadas têm aproveitado para ganhar espaço sem a competição das antigas líderes do setor.
"Muitos investimentos que a Eletrobras fez no passado não tinham taxas de retorno condizentes com os padrões de empresas privadas. O que acontecia então é que com isso você deslocava investimento privado", afirmou Britto.
A mudança de padrão a partir de 2016 tem raízes em parte no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que assim como seu antecessor Lula apostou no investimento estatal como ferramenta para ativar a economia e incentivou a expansão da Eletrobras e outras empresas públicas.
No final de 2011, por exemplo, tanto Eletrobras quanto Cemig chegaram a disputar um leilão do governo português para a venda de uma fatia na elétrica local Energias de Portugal (EDP).
Na época, o processo acabou vencido pela chinesa China Three Gorges, que depois investiu quase R$ 19 bilhões no Brasil entre 2016 e 2018. No mesmo período, a subsidiária da EDP no Brasil ampliou aportes em 74 %, para R$ 1,1 bilhão em 2018.
Reestruturação
Se em 2016 as estatais Eletrobras, Cemig e Copel ainda lideravam como maiores investidoras no setor elétrico do Brasil, atualmente as três passam por processos de reestruturação.
A Eletrobras já vendeu empresas de distribuição e alguns ativos de geração renovável e transmissão, enquanto o governo federal tem falado em promover uma capitalização da companhia por meio da emissão de novas ações em um processo que deve levar à perda de controle da empresa pela União.
A Cemig tem conduzido um grande plano de vendas de ativos, ao mesmo tempo em que o novo governador de Minas Gerais, Romeu Zema, promete levar adiante também a privatização da companhia como um todo.
Na Copel, não há planos de desestatização, mas a atual diretoria já disse que irá vender ativos não essenciais, como subsidiárias de telecomunicações e gás, além de pisar no freio em investimentos.
A regulamentação do setor elétrico está consolidada e tem sido capaz de atrair investidores privados locais e internacionais, segundo o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Nivalde de Castro. Com isso, o governo não precisa mais utilizar as estatais para alavancar a expansão do sistema, afirma.
"Todo leilão tem uma oferta gigantesca de investidores. O modelo para contratação da expansão está completamente consolidado, você não precisa mais do Estado, de usar estatais como instrumento de Estado para fazer projetos."