Investigação do Caso Marielle no RJ | PF apura se PM preso usou arsenal em mortes do Escritório do Crime
A PF (Polícia Federal) investiga se as armas encontradas no paiol do sargento reformado da PM (Polícia Militar) Ronnie Lessa - apontado pela DH (Delegacia de Homicídios) como o assassino da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes - foram usadas em outros ataques cometidos pelo Escritório do Crime, milícia carioca especializada em praticar assassinatos sob encomenda.
As suspeitas foram reforçadas com a constatação de que as peças descobertas são de fuzil M16, o mesmo modelo usado em execuções de pessoas ligadas à máfia do jogo no estado. A polícia encontrou 117 armas deste tipo em uma casa, em março.
No caso do assassinato de Marielle e seu motorista, a arma utilizada foi uma submetralhadora calibre 9 milímetros.
Os ataques do Escritório têm em comum, além do tipo de arma utilizada, o fato de que não foram solucionados pela DH e estão sob escrutínio da PF por determinação da PGR (Procuradoria-Geral da República). Há suspeita de que policiais da delegacia especializada recebiam propina para não chegarem aos autores das mortes praticadas por integrantes do Escritório do Crime, chefiado pelo ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) Adriano da Nóbrega, que está foragido desde 22 de janeiro passado.
O Escritório do Crime estaria por trás de uma série de assassinatos a soldo de clãs da contravenção. Uma relação promíscua, que foi classificada pelo ex-ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, como uma "aliança satânica".
O sargento reformado Ronnie Lessa mantinha estreita ligação com o ex-capitão Adriano e outros integrantes da milícia que atua em Rio das Pedras, comunidade de Jacarepaguá onde Lessa também era sócio em uma academia de ginástica.
A relação entre os dois ex-PMs, segundo as investigações, remonta ao período em que eles "prestavam serviços" ao contraventor Rogério Andrade, sobrinho e herdeiro de parte do espólio do banqueiro do jogo do bicho Castor de Andrade.
Policiais e procuradores do MPF não descartam a possibilidade de que as armas encontradas no paiol secreto de Lessa serem na verdade parte do arsenal do Escritório do Crime.
Casos analisados pela PF
Como os 117 fuzis encontrados em caixas estavam sem os canos, os investigadores tentam encontrar pontos de semelhança entre parte do armamento e imagens captadas por câmeras próximas a locais de crimes. Entre elas, as gravadas pelo circuito de segurança do Hotel Transamérica, onde foi assassinado Haylton Escafura, herdeiro de um dos clãs da contravenção. Ele morreu ao lado da soldado PM Franciene Lima, em junho de 2017.
Polícia Civil do Rio encontrou 117 fuzis em casa de um "laranja" de Lessa Imagem: Divulgação/Polícia Civil do RJ
As imagens mostram o momento em que dois homens com os rostos cobertos e roupas pretas abrem fogo contra a porta blindada da suíte onde estava o casal. A dupla usava fuzis M16, um deles com mira telescópica semelhante à encontrada no arsenal de Lessa.
Os investigadores também analisam gestos e a forma de movimentação dos assassinos, já classificados como profissionais treinados diante da complexidade da ação. Os matadores estacionaram o veículo na garagem do hotel, subiram oito andares sem serem incomodados pela segurança, arrombaram a tiros a porta blindada e fuzilaram o casal, que tentou se refugiar no banheiro.
Ironicamente, as precauções adotadas por Lessa para dificultar as investigações também servem de evidência para os investigadores atestarem o grau de profissionalismo do grupo paramilitar.
A falta dos canos nos 117 fuzis apreendidos, segundo um procurador do MPF, sugere que Lessa fabricava os próprios canos. São as ranhuras internas dos canos das armas que imprimem no momento do disparo as marcas únicas que ficam nas balas. Uma espécie de impressão digital da arma. Isso explicaria a falta de preocupação dos matadores de Haylton em recolher cápsulas e projéteis no local do crime.
O mesmo aconteceu nas cenas das execuções dos ex-sargentos PM Geraldo Pereira, no Recreio dos Bandeirantes, em maio de 2016, e Marcos de Souza, o Falcon, quatro meses depois. Ambos tinham envolvimento com a máfia da contravenção. Nenhum dos três crimes foi solucionado pela DH e estão no rol de oito casos analisados pela PF.
No apartamento usado por Lessa para esconder o arsenal também foram encontrados supressores de ruídos, conhecidos como silenciadores. Um deles era compatível para submetralhadora calibre 9 milímetros, o mesmo tipo usado para matar Marielle e Anderson.
A análise de comparação balística feita pela Polícia Civil em balas recolhidas pela perícia não encontrou similaridade entre as armas testadas, algumas delas recolhidas em unidade da PM.
Fernanda Chaves, assessora de Marielle Franco que sobreviveu ao atentado, relatou, em depoimento à DH, que os disparos pareciam ter sons abafados, reforçando a hipótese de uso de silenciador pelo assassino.
Em seu interrogatório, Lessa confirmou que as caixas com peças de armas encontradas na casa de Alexandre Motta de Souza, apontado pela polícia de ser "laranja" do PM, eram réplicas e seriam vendidas em sites na Internet. Esta versão foi desmentida pelos peritos que analisaram as armas.
PM reformado nega ter matado Marielle e Anderson
O sargento reformado Ronnie Lessa negou envolvimento com as mortes da vereadora e seu motorista.
A recusa do PM reformado em cooperar, somada à descoberta do arsenal, levou a Justiça a determinar que Lessa fosse colocado em RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), o mais rígido do sistema penitenciário brasileiro. Primeiro em Bangu 1 e agora na Penitenciária Federal de Segurança Máxima em Mossoró (RN), para onde também foi transferido Élcio Queiroz, apontado como motorista do carro usado na tocaia a Marielle.
A defesa de Élcio Queiroz nega que ele tenha envolvimento com o crime. Já Alexandre Motta de Souza negou ter ciência do teor das caixas onde os fuzis incompletos estavam guardados em sua casa.
Procuradores dizem acreditar que o isolamento leve a dupla a quebrar o silêncio e colaborar com as investigações.
As investigações paralelas da PF têm por objetivo chegar ao mandante do assassinato de Marielle e desvendar as relações existentes entre milicianos do Escritório do Crime, contraventores, policiais e políticos para acobertar crimes praticados pelos paramilitares.
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