Investimento federal no esporte é disperso e sujeito a interesse político
Os cortes no programa Bolsa Atleta no fim de 2018 e a redução dos patrocínios de estatais no início de 2019 jogam luz sobre os investimentos federais no esporte e retomam críticas frequentes de especialistas da área.
A elaboração do Sistema Nacional do Esporte, proposta do governo federal de 2004 que organizaria as competências dos entes públicos, privados e do terceiro setor, teve poucos avanços nos últimos anos e nunca foi consolidada.
Na opinião de profissionais que estudam ou trabalham com política esportiva, as verbas destinadas ao setor são dispersas e não seguem planejamento com métricas definidas e análise de resultados.
Eles também apontam um outro problema: boa parte do que é despendido pelo governo federal está sujeito aos interesses de parlamentares.
Em 2018, dos R$ 783 milhões investidos pelo Ministério do Esporte —transformado pelo governo Jair Bolsonaro em secretaria especial—, R$ 681 milhões (87%) abasteceram a área de esporte educacional, recreativo e de lazer --responsável pela construção de quadras e praças, por exemplo.
Mais da metade desse valor (56%) foi direcionado por parlamentares, via emendas, à construção de infraestrutura esportiva em redutos eleitorais. Muitas obras receberam valores milionários.
No Rio de Janeiro, R$ 5 milhões foram repassados para uma associação sob o título de desenvolvimento de atividades e apoio a projetos de esporte, educação, lazer, inclusão social e legado social.
Esse valor está bem acima do que a maioria das confederações recebe no ano do Comitê Olímpico do Brasil (COB) ou via patrocínios de estatais.
Outras emendas de 2018 mostram a variedade de projetos beneficiados, como R$ 1,1 milhão para uma quadra de grama sintética em Taguatinga (DF), R$ 1,5 milhão para o Festival de Lazer e Inclusão Social do Cabo de Santo Agostinho (PE) e R$ 100 mil para a Festa do Peão de Boiadeiro de Florínea (SP).
"As emendas são distribuídas de acordo com interesses eleitoreiros, como moedas de troca política, sem estudo técnico e social", afirma Ary Rocco, professor da USP e presidente da Associação Brasileira de Gestão do Esporte.
Em seu doutorado na Universidade Federal do Paraná, a pesquisadora Suelen Eiras analisou a influência das emendas no orçamento esportivo e concluiu que ela é muito maior do que em outras áreas, devido ao montante que cabe ao esporte ser um dos menores do governo.
"Quando a proposta do Executivo passa pelo Legislativo há uma mudança de prioridades por causa das emendas. Falamos que existem dois orçamentos: o do ministério e o dos parlamentares", diz.
Para a professora, a ausência de um plano nacional prejudica a manutenção e o aproveitamento futuro das obras bancadas pelo governo. "Não há um planejamento mais robusto para a área. O interesse é muito mais do parlamentar do que de desenvolver o setor esportivo como um todo", diz.
Em um cenário de poucos recursos, ter objetivos claros é fundamental para o gestor escolher o que priorizar.
"O Ministério do Esporte nunca teve um orçamento capaz de cobrir todas as necessidades", diz Leandro Carlos Mazzei, professor da Unicamp. "Ultimamente, algumas leis e incentivos, como o repasse das loterias, aliviaram, mas muitos programas não saíram do papel."
Outras fontes expressivas de financiamento federal para o esporte são os apoios a eventos ou projetos obtidos com isenção fiscal de empresas, os patrocínios de estatais e os repasses das verbas arrecadas com as loterias.
Por lei, parte delas é repartida entre várias entidades, por exemplo o COB, o Comitê Paralímpico Brasileiro e o Comitê Brasileiro de Clubes.
Há ainda as bolsas. A pasta de Esporte é responsável pelos programas Bolsa Atleta, que destina de R$ 925 a R$ 3.100 mensais para esportistas de diferentes níveis, e Bolsa Pódio, que paga de R$ 5.000 a R$ 15 mil para aqueles que estão entre os melhores do mundo em suas modalidades.
O Ministério da Defesa mantém desde 2008 um programa para atletas de alto rendimento. Esportistas com bons resultados que se alistam nas Forças Armadas passam a contar com salários e apoio estrutural para treinar e participar de competições.
Uma das metas anunciadas pelo governo Jair Bolsonaro (PSL) para os cem primeiros dias do seu mandato é fazer uma revisão no Bolsa Atleta.
No fim de 2018, cortes da gestão Michel Temer (MDB) atingiram atletas de base e mantiveram pagamentos para aqueles que ganham mais.
A tendência indicada pelo novo governo é que o investimento federal priorize a formação de atletas, em detrimento do alto rendimento.
A escolha por investir mais no aumento da base de praticantes ou em que já têm condições de obter resultados expressivos deverá ser um dos temas de debate na construção de um sistema nacional para os próximos anos.
"Hoje a gente tenta fazer os dois, mas em termos de Ministério do Esporte e política de estatais, o país se vê como fazedor de ídolos e resultados", afirma o presidente da Confederação Brasileira de Vela, Marco Aurélio de Sá Ribeiro.
Apesar de preferir o investimento na formação, ele defende que, se o governo optar por trilhar esse caminho, não pode simplesmente haver ruptura no meio do ciclo olímpico para os Jogos de Tóquio.
"Todo o nosso sistema de alto rendimento está pendurado no Estado. O problema é como fazer essa transição sem o sistema desmoronar. Antes de sair cortando coisas do esporte, tem que haver discussão de qual é a política a ser feita. E isso tem que ser feito depois de 2020", diz.
Procurada para comentar o sistema de financiamento e a influência de emendas, a Secretaria Especial do Esporte não respondeu às perguntas.