Irmãos saem em busca do Maverick 77 do pai em filme nacional de roteiro ousado
Em busca do Maverick 77 que o pai dirigia no passado, dois irmãos saem de Vila Velha, no Espírito Santo, e percorrem as estradas na fronteira com Minas Gerais e Bahia. No volante do Opala 73 segue o mais velho, Belmont (Fabio Mozine), um mecânico, ao lado do mais novo, Maurício (Will Just), músico.
Essa é a premissa de "Os Incontestáveis", de Alexandre Serafini. Estranho e arriscado, o filme tem o mérito de não se dobrar a fórmulas preestabelecidas e ousar no roteiro.
Como em outros road movies que têm uma busca como mote, o trajeto, aqui, revela-se menos importante em si do que os encontros que vão sendo travados, dando ensejo a uma série de ramificações, numa estrutura de narrativas embutidas que lembra as bonecas russas.
Ao refazerem o percurso do Maverick, negociado entre fazendeiros e políticos corruptos do pedaço, os irmãos passam por um bordel, um restaurante de beira de estrada apinhado de representantes comerciais, um acampamento rural.
As histórias que surgem a cada parada lembram lances do Kiarostami dos primeiros tempos (o zigue-zague pelo relevo montanhoso, a pausa para aliviar a bexiga atrás de uma árvore, a conversa dentro do carro) e de Jim Jarmusch.
Até aí, a realidade vislumbrada através do para-brisa dava cores documentais ao filme de ficção. O título parecia justificar-se pelas respostinhas espertas e espinhosas que os irmãos trocam, em diálogos que sempre envolvem bons goles de conhaque.
Mas, entre a primeira e a segunda metade do filme, há uma virada radical que transforma tudo. Mudam o ritmo, o tom, o registro visual. Personagens (e espectadores) se esquecem de carros e estradas por algum tempo, mergulhados na violenta história da Guerra do Contestado. A disputa de um pedaço de terra entre os governos de Minas, Bahia e Espírito Santo levou décadas e só terminou em 1963.
No filme, o resgate dessa briga dá ensejo a situações que combinam, curiosamente, fantasia, luta de classes e uma estética entre o sertanejo e o punk.
Nessa segunda metade, Tonico Pereira, no papel do truculento fazendeiro Lobo, rouba algumas cenas. A trilha sonora, a cargo de Will Just e Fabio Mozine, contribui de maneira decisiva para instaurar o clima amalucado.
Trata-se, sem dúvida, de uma virada arriscada, que complica a trama narrativa, tornando-a quase insolúvel. Mas isso não chega a ser problema para o diretor, que parece ter realizado um filme inteiro com o objetivo de filmar o duelo de bólidos que aparece na sequência final.