Irmãs muçulmanas jogam com véu e formam time de hóquei no Canadá
As seis irmãs Azmi formam um time sozinhas. Asiyah, 25; Nuha, 23; Husnah, 21; Sajidah, 18; Halimah, 17; e Mubinah, 14 são muçulmanas e entram em quadra usando seus hijab —véu muçulmano— para as partidas da liga de verão da Associação de Hóquei de Quadra Feminino de Toronto.
Como Nazem Kadri, o primeiro jogador muçulmano a ser selecionado para o Toronto Maple Leafs, da NHL, as irmãs estão forçando muitos torcedores do esporte a expandir sua visão sobre o tipo de jogador mais capaz de levar a bola à rede.
“As pessoas claramente curtem a presença delas”, disse Judy Ilcio, que fundou a liga feminina em 1983. “Essa é a nova evolução, em termos daquilo que nos tornamos no hóquei de quadra”.
O esporte é parecido com o hóquei no gelo - mas sem o gelo, e os patins. As jogadoras da liga feminina de Toronto usam capacetes, máscaras protetoras, uma proteção para o queixo, luvas de hóquei e tênis, e propelem uma bola de plástico com seus tacos de hóquei, sobre um piso de concreto. Usar o corpo para barrar o avanço de um adversário é proibido, mas contatos incidentais não.
As irmãs Azmi já foram tema de artigos na rede online de torcedores do Maple Leafs, e de vídeos populares produzidos pela Canadian Tire, na mais recente Olimpíada de Inverno. No entanto, algumas pessoas ainda se chocam quando as veem na quadra, com seus hiyabs e tacos de hóquei.
“Muita gente vê muçulmanos respeitando as regras religiosas, e por isso alguma dessas pessoas ficam chocadas ao perceber que você na verdade não é diferente dos demais”, disse Husnah Azmi.
Mesmo no calor, intensificado pelos hiyabs usados sob os capacetes, as irmãs Azmi exibem um amor pelo hóquei de quadra que as tornou queridas na liga, e entre personalidades importantes do hóquei no gelo, como Kadri e Hayley Wickenheiser, vencedora de quatro medalhas de ouro olímpicas na modalidade.
Em um dos vídeos da Canadian Tire, que traz o slogan “todos jogamos pelo Canadá”, Wickenheiser faz uma aparição de surpresa, direto da Olimpíada de Inverno da Coreia do Sul, para falar com as irmãs.
“Elas abraçaram uma nova cultura de uma maneira única e autêntica”, disse Eva Salem, vice-presidente de marketing da Canadian Tire. “Estávamos realmente tentando encontrar pessoas reais que personificassem os valores da inclusão, espírito esportivo e desprendimento”.
A influência das irmãs Azmi vai além das quadras. Um distrito escolar canadense pediu que elas falassem em uma conferência sobre empoderamento feminino, e elas fizeram uma apresentação sobre suas experiências como jogadoras de hóquei e muçulmanas praticantes.
O Canadá tem mais de um milhão de muçulmanos, e 400 mil deles vivem na região da Grande Toronto. Os atletas muçulmanos tipicamente gravitam para o futebol e o basquete, mas muitos começaram a jogar hóquei, no gelo e de quadra.
Além das irmãs Azmi, há cerca de 20 outras muçulmanas na Associação Feminina de Hóquei De quadra de Toronto, que conta com cerca de 200 jogadoras.
“É preciso que alguém abra o caminho, e demonstre que não é impossível”, disse Kadri, talvez o mais famoso atleta muçulmano do Canadá. “Agora você vê a molecada mais jovem e há muita diversidade no esporte do hóquei; é realmente recompensador ver uma coisa dessas”.
O time de Kadri é popular na casa da família Azmi. O quarto que as seis irmãs dividem é decorado por objetos com as cores e distintivo do Maple Leafs, dos travesseiros e lençóis a quinquilharias.
As irmãs jogam juntas em dois times da liga, o Red, da divisão leste, e o White da divisão oeste. Os dois ocupam posição intermediária na tabela de classificação, e só uma das irmãs - Halimah, 17 - está entre 15 maiores artilheiras do campeonato.
Mas o valor delas vai além dos números brutos, e é por isso que a liga mudou os horários de seus jogos no começo da temporada, no mês sagrado muçulmano do ramadã, durante o qual elas jejuam até o sol se por. Elas também oram cinco vezes por dia.
Jogar à noite significava que elas podiam beber água e comer samosas feitos em casa para manter a energia e evitar desidratação.
“As meninas pediram e não pensei duas vezes para atender”, disse Beth Brotherstone, a presidente da liga. “Elas amam o esporte, e têm uma atitude ótima. São pessoas maravilhosas e representam muito bem a comunidade”.
A família Azmi também inclui três irmãos - Yusef, 29; Salih, 28; e Tayyib, 15 - que cresceram praticando hóquei no gelo. As irmãs também jogaram futebol, vôlei e basquete. Aprenderam a patinar, mas, como revelaram em sua conversa em vídeo com Wickenheiser, tinham um problema: não sabiam como parar, elas admitiram, rindo.
Os pais, Shahin e Fara, não tinham dinheiro para equipar as seis para o hóquei no gelo, mas tinham como bancar a matrícula de US$ 180 no hóquei de quadra.
O hóquei no gelo era o esporte favorito de seu pai. Shahin Azmi, nascido no Paquistão, ainda recorda vagamente de ter visto o Maple Leafs conquistar a sua última Stanley Cup, em 1967.
A família dele não tinha dinheiro para que ele praticasse hóquei no gelo, e por isso Shahin começou a jogar hóquei de quadra, nos ginásios da cidade ou mesmo na rua.
Ele começou a trabalhar para a Comissão de Direitos Humanos da província de Ontário depois de concluir seu doutorado em serviço social. Shahin Azmi sempre se preocupou com o racismo e discriminação na sociedade canadense, e sentia que trabalhar na comissão seria a posição ideal.
“Conhecíamos nossos direitos desde pequenas”, disse Asiyah Azmi, que é assistente jurídica.
E como atletas, elas conquistam respeito por sua dedicação ao esporte.
“Elas são doces”, disse Sue Smith, uma de suas adversárias. “Sabem o que estão fazendo, e têm muita energia. Você pode pensar que, pela cultura delas, não serão muito rápidas. Mas elas derrubam essa barreira bem rápido”.
Outra adversária, Michelle Rosenberg, recorda de seu choque ao encontrar cinco das irmãs pela primeira vez, no vestiário, em um torneio de caridade. Rosenberg admitiu que tinha uma visão preconcebida de que mulheres muçulmanas devem ser solenes, conservadoras e deferentes.
“Mas elas chegaram a todo vapor, e começaram a falar todas ao mesmo tempo, discutindo”, disse Rosenberg. “Eu pensei que aquilo não parecia certo. Mas se fossem cinco jovens brancas, ninguém estranharia”.
Rosenberg também se surpreendeu em quadra, porque as irmãs aprenderam a jogar nas ruas e nas garagens de Toronto, e não mostravam deferência alguma.
“Isso foi outra coisa que nos fez melhorar, para representar as mulheres muçulmanas de maneira melhor e demonstrar nossa capacidade de competir”, disse Husnah Azmi, que está fazendo mestrado em ciência ambiental aplicada e administração.
A mídia social não as recebe tão bem quanto suas adversárias em quadra, mas as irmãs riem de alguns comentários.
“Dizem que deveríamos voltar para o lugar de onde viemos”, disse Nuha Azmi, como exemplo. “Mas não somos imigrantes. Nascemos aqui. Isso não nos causa raiva, porém. As pessoas falam essas coisas porque não sabem”.
A quadra é seu lugar protegido. Quando as garotas Azmi chegam juntas, falando muito e se comportando como irmãs costumam, todo mundo fica ciente de sua presença imediatamente.
“Todo mundo aqui se refere a elas como as meninas, ou as irmãs”, disse Brotherstone. “Mas eu as chamo de minhas rock stars”.