Jantar harmonizado? Passo

Vou revelar algo que não me enche de orgulho: quando como fora, escolho o vinho pelo preço. Costumo pegar o segundo vinho mais barato da carta. Meus brios me impedem de pedir o mais barato de todos –e assumir o papel de pobretão absoluto. Ridículo, mas verdadeiro.

Não sou um completo ignorante na matéria. Estudei, li, fui a dezenas de degustações, escrevi. Uma pena que minha verba seja insuficiente para torrar na bebida que me der na telha. Jantar em restaurantes é um esporte caro, e o vinho tem o mágico poder de multiplicar esse custo.

O mercado das bebidas –vinho e, mais recentemente, cerveja– exerce uma pressão para que o consumidor aprenda a harmonizar seus goles com a garfada certa. Totalmente compreensível: há uma montanha de empregos em jogo, do sommelier ao sujeito que produz a rolha lá em Portugal. É preciso fazer a máquina girar e gerar grana.

Duas coisas me incomodam na compra casada de comida e bebida.

Primeiro: achar o par ideal pode ser uma tarefa penosa, quiçá impossível. Relativamente fácil quando há somente um prato a combinar, mas as pessoas raramente jantam sozinhas – e é mais rara ainda a situação em que todos de um grupo pedem a mesma comida. Como proceder? Pedir taças de vinhos diferentes? É levar a coisa a sério demais.

Segundo: a degustação e a harmonização exigem um certo esforço intelectual. É justamente o que eu não quero quando eu saio para jantar. Quero uma noite divertida, sem ter que pensar sobre o que há na mesa. Profissionais da área gostam da brincadeira. Eu não.

Esses profissionais podem, sim, ajudar o cliente. Nada contra o sommelier, tenho amigos e inclusive fiz um curso, mas nada me convence de que ele não vai tentar vender um vinho caro. Para que o sujeito é pago, afinal? Sou turrão, prefiro me estrepar sozinho.

Idealmente, a harmonização de um alimento com uma bebida resulta em um terceiro sabor, que deve proporcionar prazer intenso. Algo sublime e esotérico demais para a minha compreensão.

Eu me contento quando não existe desarmonia. Cabernet sauvignon com sardinha, por exemplo. Ou bolo de chocolate com Coca-Cola. Carne com vinho branco não mata ninguém.

Para quem tem medo de errar, existem três curingas que não estragam nenhuma refeição: água, espumante brut e cerveja ordinária.

Cerveja aguada é o champanhe das cervejas, já disse o chef norte-americano David Chang. Mais fraco o gosto a bebida, menor a chance de uma interferência desagradável na comida. E é a comida a estrela da maioria dos jantares – a não ser que se trate de uma degustação, fica reservado ao vinho o papel de coadjuvante. Ou à cerveja vagabunda.

 

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