Jogos nômades na Ásia Central tem competição com cabra decapitada

Mulheres vestidas como guerreiras lendárias caminham com arcos em punho, homens cobertos em pele de lobo carregam selas em seus ombros, meninos equilibram gaviões enormes nos braços. Montanhas com picos congelados estão por todos os lados e mais de mil yurtas (cabana circular tradicional de povos da Ásia Central) completam o visual.

Essa poderia ser a cena de um filme medieval, mas não. É a Vila Étnica de Kyrchyn, no Quirguistão, uma das arenas montadas para receber os Jogos Mundiais dos Povos Nômades, o maior evento esportivo da Ásia Central.

Na terceira edição no país, os jogos reuniram dois mil atletas de 74 países competindo em 37 esportes de tradição nômade. Entre eles, diversas modalidades de wrestling, como a cavalo --conhecido localmente como Er Enish--, tiro com arco, caça com falcão e, o mais exótico deles, o Kok Boru, espécie de polo a cavalo em que a bola é uma cabra decapitada.

Considerado o esporte nacional no Quirguistão, as disputas da modalidade eram as mais esperadas pelo público.

Os jogos são disputados por dois times com quatro jogadores cada um. O objetivo é marcar mais gols --ou goats (inglês para cabras)-- no adversário jogando o corpo da cabra dentro de um círculo. O esporte tem origem em uma antiga tradição dos nômades da Ásia Central de castigarem lobos que atacavam o rebanho dos acampamentos jogando-os de um lado para o outro.

A excentricidade do Kok Boru lhe rendeu fama internacional e o esporte tem ganhado adeptos em outros lugares do mundo.

Neste ano, EUA e França competiram, mas a falta de prática do times europeu e do americano ficou evidente. Os franceses, por exemplo, pouco conseguiram levantar o corpo do animal do campo.

"Gosto de ver a adesão de times de fora da Ásia Central, apesar de saber que deve ser muito difícil para eles. No Quirguistão, nascemos jogando Kok Boru, faz parte da nossa existência. É como o futebol em outras áreas do mundo", afirmou o técnico da seleção quirguiz, Kanat Sydykov.

A final da modalidade foi entre Quirguistão e Uzbequistão. O time da casa venceu por 32 a 9. Apesar da larga vantagem, a torcida quirguiz não parou nem por um segundo de vibrar e os gritos entusiasmados de centenas de torcedores de todas as idades podiam ser ouvidos do lado de fora do hipódromo.

O evento aconteceu entre os dias 1 e 8 de setembro, na província de Issyk-Kul, nordeste do país, e é iniciativa do governo do Quirguistão para dar visibilidade e fortalecer a cultura nômade de diferentes nações do mundo. 

"Não queremos que os Jogos Mundiais dos Povos Nômades sejam apenas sobre os quirguiz, mas que sirvam de oportunidade para outras culturas nômades e pequenas comunidades mostrarem suas tradições e esportes étnicos. Queremos ver povos de todos os cantos do mundo unidos por um bem comum", esclarece o idealizador dos jogos, o filantropo Askhat Akibaev.

Além das atividades desportivas, também foram realizadas apresentações culturais, concursos de dança, arte, música e recital de poemas.

Para a edição de 2018, a maior desde o início do projeto em 2014, foram montadas duas grandes arenas: uma às margens do lago salgado de Issyk-Kul, em Cholpon-Ata, com hipódromo, estádio de lutas marciais e ringue de sumô. A outra a 40 km dali, em meio ao vale de Kyrchyn, para receber competições de tiro com arco, caça com falcão e Ortom --esse último, um esporte de estratégia de guerra que recria campos de batalha representando soldados com peças de ossos de carneiro.

Os ingressos, gratuitos, garantiram estádios lotados de espectadores tanto do país quanto estrangeiros.

Annabela Valente, de Portugal, conta que estava viajando pelo Quirguistão com o marido quando ouviu falar dos jogos e resolveu ver de perto.

"Estou gostando muito, é um evento complexo com muitas atividades acontecendo ao mesmo tempo e me parece bem organizado pelas condições. Assisti a outros festivais de tradição nômade em pequenas aldeias do Quirguistão e mesmo assim os Jogos Mundiais dos Povos Nômades conseguiram me surpreender", disse a empresária.

Entre as competições mais disputadas estavam as diversas modalidades de wrestling. Cada país da região apresenta sua própria vertente da luta, como os iranianos com o Pahlavani, os quirguiz com o Alysh e os coreanos com o Ssireum. Todas são similares com a luta olímpica, mas apresentam pequenas variações nas regras e vestimenta.

Independentemente da origem, os esportes têm adeptos em todos os cantos do mundo, inclusive no Brasil. Os atletas Danilo da Silva Rocha e Marat Garipov, cazaque naturalizado brasileiro, competiram na modalidade de Alysh, mas não ganharam a medalha.

Essa é a segunda vez que a Confederação Brasileira de Wrestling participa dos jogos a convite da organização. Em 2016, Keila Calaça foi a atleta responsável por defender a camisa verde e amarela.

Os Jogos Mundiais dos Povos Nômades terminaram com um show de encerramento de três horas de duração na cidade de Cholpon-Ata. O Quirguistão foi o vencedor desta edição, com 40 medalhas de ouro, seguido de Cazaquistão e Rússia.

A próxima edição do evento, que é bianual, acontecerá pela primeira vez fora do território quirguiz. A ideia é que a cada seis anos os Jogos aconteçam uma vez no Quirguistão e duas em outros países.

A Turquia foi eleita para sediar os jogos de 2020 e, apesar da crítica de muitos locais e turistas que acham que o evento perderá sua originalidade, o idealizador dos jogos Akibaev garante que o legado da competição será preservado.

"As pessoas não devem pensar que apenas os quirguiz, ou cazaques, ou uzbeques são nômades. Parte da história da humanidade começa com o movimento de migração da África. Até mesmo o planeta Terra está constantemente em movimento. Todos somos nômades e temos o espírito nômade dentro de nós."

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