Jornalistas identificados com a direita viram alvo de bolsonaristas nas redes
O comunismo pode ser uma ideologia falida, mas cuidado! Ele está se espalhando perigosamente pela imprensa brasileira e ganhando adeptos entre os jornalistas mais improváveis.
Ao menos essa é a conclusão de uma parte considerável das redes sociais bolsonaristas.
O Twitter, especialmente, foi tomado nas últimas semanas por uma lista de “comunistas desmascarados”: profissionais que sempre foram associados à direita e ao conservadorismo, mas que têm feito críticas a aspectos do governo de Jair Bolsonaro.
A intensidade aumentou desde a crise dos laranjas do PSL, revelada pela Folha em 4 de fevereiro, que levou à demissão de Gustavo Bebianno do ministério.
A relação de “traidores” só cresce. Alguns jornalistas já vêm sendo acusados de se bandear para o outro lado há alguns meses, como Reinaldo Azevedo (Folha e Band News) e Rachel Sheherazade (SBT). E há os novos integrantes no índex bolsonarista.
A trinca que mais tem apanhado nos últimos dias é formada por Diogo Mainardi (O Antagonista e GloboNews), Felipe Moura Brasil (Jovem Pan) e Carlos Andreazza (O Globo e Jovem Pan).
Todos têm impecáveis credenciais antiesquerdistas, mas não importa. Tome malhação virtual, por terem criticado pontos como a falta de habilidade do presidente para debelar a crise dos laranjas e o poder descomunal de seus filhos, especialmente o vereador Carlos Bolsonaro.
“Virou mais um jornalista canalha das mídias, mais um vendido”, disparou um tuiteiro contra Moura Brasil. “Não queremos jornalista fazendo fofocas, intrigas do governo federal, queremos jornalistas com comprometimento com a nação”, completou.
Procurei Moura Brasil para comentar, mas ele não respondeu. Pelo Twitter, tem se defendido. “Não há patrulha de falsos críticos, seja de esquerda ou direita, ligada ou não a partidos e governos, que me fez ou me fará desviar do jornalismo independente, em busca da verdade”, escreveu.
A esquerda, claro, se diverte com a briga no quintal oposto. “Felipe Moura Brasil, bem vindo ao clube dos comunistas”, tuitou um perfil pró-PT.
Mainardi, autor de “Lula é minha anta” e, portanto, insuspeito de inclinações esquerdistas, é outro que vem apanhando da claque do presidente, como no diálogo abaixo:
Outro tuiteiro decepcionado, esse mais duro, disse: “Antes você tinha credibilidade, hoje os emails, quando chegam de vocês, coloquei no spam. Credibilidade zero”.
O Antagonista, site do qual Mainardi é sócio, entrou no fogo cruzado na recente crise por ter sido acusado por Bolsonaro de ser porta-voz de Bebianno durante a crise.
Por mensagem de WhatsApp, Mainardi me disse apenas que “não dá bola” para os ataques e preferiu não comentar.
Falei com Andreazza, que tem adotado a atitude oposta à de Mainardi, a de confrontar os críticos, a quem chama de “milícias virtuais”. Muitas vezes com ironia, como na altercação abaixo.
Além de jornalista, Andreazza é editor, responsável por publicar, na Record, livros do papa de grande parte da direita atual, o filósofo Olavo de Carvalho. Por isso, ele acha que é visto como um especial traidor ao criticar o governo.
“Eu tinha certeza de que chegaríamos a esse momento cedo ou tarde. Não fui pego de surpresa”, diz ele, que se define como “um conservador por formação intelectual”.
Andreazza diz que há uma rede virtual de difamação que chega até Carlos Bolsonaro. “Eu venho me dedicando há muito tempo a mapear essas milícias, a identificar que tem uma cadeia de comando. E essa cadeia de comando é muito próxima do presidente, porque ela passa pelos filhos, pelo Carlos Bolsonaro”, afirma. “É uma rede muito profissional, muito eficiente de assassinato de reputações”, diz.
Procurei a assessoria de Carlos Bolsonaro, que não se manifestou.
Confrontar os detratores e identificar quem está por trás dos perfis, diz Andreazza, tem uma função pedagógica. “Tem gente que é um caso perdido, mas tem gente que pode aprender alguma coisa sobre a natureza do debate público e o papel do jornalista e, no meu caso, do editor”, afirma.
Ele afirma que “ganhou casco” para suportar as críticas, mas se incomoda com algumas mais agressivas. Diz que tem evitado participar de alguns eventos com grande plateia e em ao menos um caso acionou advogados em razão de uma ameaça mais séria.
E sobre a schadenfreude da esquerda, que diz que os jornalistas de direita estão provando do próprio remédio, após anos espinafrando o PT? Andreazza não veste a carapuça. “Pelo amor de Deus, não tenho nada a ver com isso. Denuncio isso há muito tempo e sou um dos mais antigos críticos do Bolsonaro. Esse filho não é meu, não”, afirma.
Ele diz que nunca teve tantos seguidores na esquerda. “Estou até um pouco preocupado”, brinca. E tem ouvido até o ocasional “vai pra Cuba!”. “Como eu gosto muito de charuto, acho bom”, diz.