Justiça de SP aponta indícios de fraude em operação da Siemens
A Justiça de São Paulo aponta “fortíssimos indícios” de fraude em uma operação de venda feita pela Siemens em 2005. A suspeita é que a transação tenha sido uma forma de blindar o patrimônio do grupo, impedindo que credores pudessem cobrar dívidas deixadas pela empresa.
À época, a Siemens, que havia acumulado prejuízos milionários com sua divisão de celulares, anunciou sua venda à companhia taiwanesa Benq, em uma operação global.
O fracasso da companhia deixou um rastro de ações de funcionários que reivindicavam o pagamento de direitos trabalhistas e empresas que buscam recuperar dívidas não pagas.
Só em São Paulo, há R$ 40 milhões de cobranças pendentes até hoje.
Em um dos processos, movido por uma agência de publicidade que prestou serviços à companhia e não foi paga, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) já autorizou a intimação da Siemens para que a empresa preste esclarecimentos.
No acórdão, o desembargador afirma que há “inúmeros elementos que indicariam conluio e confusão patrimonial” entre a Benq e a Siemens.
Diz ainda que há “fortíssimos indícios de uso da personalidade jurídica das agravadas como forma de impedir alcance de patrimônio de qualquer delas pelos credores”.
Procurada, a Siemens afirmou, em nota, que a empresa “não comenta processos em andamento”.
A tese de que a Siemens poderia ser cobrada por dívidas da Benq já foi aceita na Justiça do Trabalho.
Em uma ação movida por um funcionário demitido em 2008, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) concordou com a decisão da corte regional, que havia determinado que a Siemens arcasse com os direitos trabalhistas dos funcionários demitidos após a operação de venda.
“Não restou caracterizada a sucessão empresarial, pois jamais houve efetivamente uma cisão, mas sim fraude na sucessão”, diz a decisão.
Segundo credores da empresa, a desconfiança de que a Siemens continuou no negócio após a venda à Benq se comprova pelos termos estabelecidos no contrato global da operação.
O conteúdo desse acordo, à época confidencial, só foi revelado por determinação do TJ-SP.
Segundo o contrato, uma parte do pagamento da Benq se deu em forma de ações da companhia taiwanesa à própria Siemens —que, com isso, passaria a ser sócia da empresa e, portanto, do negócio de telefones celulares.
Foram entregues à Siemens ações no valor de 50 milhões de euros (o equivalente a R$ 212 milhões, na cotação atual), equivalentes a uma participação de cerca de 2,5%.
A informação de que a Siemens passaria a ter ações da Benq já havia sido anunciada à época da operação, em julho de 2005. Na divulgação global do acordo, a empresa afirmava que iria "investir na Benq por meio da compra de ações da companhia" e que a empresa poderia continuar usando o nome "Siemens" em seus produtos por cinco anos.
Em outra cláusula que gerou estranhamento aos credores, foi definido que a outra parte do pagamento, em dinheiro, teria que ser direcionada aos próprios ativos da empresa.
Ou seja, o pagamento que a Siemens receberia pela venda seria, na verdade, reinvestido na própria companhia de telefones da qual estaria se desfazendo.
Além do preço de compra, a Siemens se comprometeu a fazer mais um pagamento, desta vez de 205 milhões de euros (R$ 868 milhões, na cotação atual). Esse valor seria direcionado à modernização da produção.
A justificativa para o pagamento, apresentada no contrato, é que “a compradora [Benq] acredita que a plataforma atual usada pela vendedora [Siemens] para desenvolver e fabricar os dispositivos móveis pode não estar totalmente alinhada com as exigências de cliente”.
Portanto, a Siemens se comprometia a pagar esse valor para cobrir eventuais passivos que a Benq teria com a modernização da plataforma.
Para os credores, os termos do contrato sinalizam que a Siemens continuou sócia do negócio, e que a operação não teria sido de fato uma venda, o que a tornaria responsável pelas dívidas deixadas.
A Siemens também não quis se manifestar sobre os termos do contrato.