Álamo Facó debate a sexualidade em peça que vai da ficção ao real

Foi há pouco mais de dez anos, num ensaio de “A Casa dos Budas Ditosos”, monólogo com Fernanda Torres adaptado do livro homônimo de João Ubaldo Ribeiro. O ator Álamo Facó sentava à plateia, e ficou intrigado com aquelas cenas, em que uma sexagenária libertina narra sua história. 

“Percebi que falar de sexo, falar de algo íntimo, causa uma enorme fricção com a plateia, porque você está se abrindo”, comenta o ator.

A abertura vinha ao encontro do trabalho de Facó, 37, que em seus projetos pessoais transita entre a ficção e a realidade, bebendo na sua biografia para tecer a narrativa.

Foi assim em “Talvez” (2008), no qual falava dos relacionamentos num mundo virtual e remetia ao surto psicótico do irmão; e “Mamãe” (2015), em que recriou os últimos meses da mãe, depois de ela descobrir um tumor no cérebro.

Agora faz o mesmo em “Trajetória Sexual”, que ele estreia em São Paulo depois de uma temporada no Rio —os dois primeiros monólogos serão apresentadas na sequência.

Os três espetáculos compõem a Trilogia da Perda de Facó. “Sabe, não gosto mais desse nome”, diz o ator numa pausa. “Todos as peças falam de perdas minhas de alguma forma. Mas é um nome triste.”

É que as narrativas de Facó, ainda que transitem por assuntos duros, não carregam uma carga de peso. Servem mais de renovação do que de lamento pela dor. Ou, como ele próprio define, são trabalhos dos quais “as pessoas saem com vontade de viver”.

Um pouco do que o ator faz em “Trajetória Sexual”, no qual busca diminuir o muro que divide gêneros, orientações sexuais e o próprio tabu do sexo. Dirigido por Renato Linhares e Gunnar Borges, ele parte de experiências próprias, tratando bastante de sua bissexualidade, mas não personaliza os casos —Facó não gosta do termo “autoficção”, prefere falar num “eu ficcional”, ou num hibridismo entre o documental e a ficão.

Em cena, interpreta um personagem pouco definido, nominado apenas X. Fala à plateia numa narrativa errática, passando por relatos, de amigos e dele próprio. São casos de sexo com homens, mulheres, transgêneros. Relatos amorosos e encontros casuais.

Passa por teorias —a guerra teria nascido do sexo ruim, diria uma— e fatos históricos, como as orgias primaveris da Antiguidade, quando se acreditava que o sêmen humano ajudaria a fertilizar a terra. 

E trata também dos preconceitos alheios, como conta numa das passagens: “Decido dar um mergulho no mar. Meu corpo se abre para as mais variadas experiências sensoriais. Um carro passa e jogam lixo em mim. Gritam: ‘Viados’. O garoto com quem eu estou ficando responde: ‘É a mãe’. Pego homens e mulheres no bar em que eu cresci. Vejo garçons rirem de mim”.

“Essa peça foi pensada há muito tempo, mas é interessante que estreie num momento em que temos tanto conservadorismo”, afirma o ator, que numa das passagens questiona estes tempos nos quais discute-se “uma lei que proíbe falar sobre sexualidade em sala de aula”.

“Há tantas possibilidades do corpo, do sexo. Por que as pessoas querem se meter no corpo dos outros?”, continua.

 

Trilogia da Perda

Sesc Ipiranga - auditório, r. Bom Pastor, 822. ‘Trajetória Sexual’: qui. e sex., às 21h30, sáb., às 19h30, dom., às 18h30; de 18/10 a 11/12; 18 anos. ‘Mamãe’: qui., às 18h30, e sex. a dom., às 21h30; de 15 a 18/11; 16 anos. ‘Talvez’: sex. a dom., às 21h30; de 22 a 24/11; 16 anos. Ingr.: R$ 6 a R$ 20

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